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Antônio Medina Rodrigues (Olímpia SP 1941) (*)
Tradutor do alemão e entusiasta das vanguardas, o helenista tem um pé na
antiguidade e outro na modernidade. Seus sonetos questionam a própria
estética do soneto, mas sem pretensões a revolucionar molde algum,
apenas ironizando mitos clássicos e monstros atuais (como os medalhões
do samba e do chorinho), o que torna sua poesia uma bem-humorada
dialética coloquial entre o erudito e o popular. Alguns exemplos da
descontração (e da desconstrução) do mestre:
STRESS No stress não vale nada a tua rosa, Nem o corcel azul te propicia O largo esquecimento, a clara prosa Que te oferece o sol, se estás em via. No stress, quer ninfa, ou futebol ou sorte, Tudo se enubla ao que num tris se expia. E em tudo à goela a náusea indica o norte, Que o teu temor corcel e rosa adia. Será fatal a tal lição de nojo, Para apreendermos nossa ontologia? Será que o Nada, com seu cinza ao bojo, Alguma coisa vera ou boa avia? Por isso aos olhos vou ceifar o nojo: Melhor plantar estrume e ter poesia. VIAGEM Foi então que Parmênides, cansado, Pegou de um carro pra agarrar a Diva. Não era para menos: tinha o sarro De o ser escalavrar em cristal vivo. E disse a Diva: o ser nunca não é. Não pode ser o que será jamais. Pois nunca foi o que vai ser nem és Tão tolo de pensar que há ser a mais. Escolhe, filho meu, o que haverás: São dois caminhos, o do ser não-ser, E o do não ser não-ser, que é teu maná. Mais nada tu soubeste ou saberás. Tudo que morre ou nasce tu hás de ver Não ir além da flor de manacá. MERGULHO Chego, Heráclito, enfim, à ima via: Teu rio eu penetrei, já não me aterra, Nem tudo desestá, nem água é guerra, Consigo nada mais vai de porfia. Senão teu dorso, me iludindo a vista, De onda em onda me ultrapassa e ao nada Em sina de miradas me confina, Pois nunca eu, parvo, encontro a tua pista, Se a ti com minha idéia vou bisar. Pois nesta se revela o grão tormento De estar e não estar contigo a par. Por isso me deixei no rio levar, Que ao rio impõe o Nada o mandamento De ser-me a pele onda, e o rio parar. O NOVO TEMA Por que, Sílvia, me falas de linguagem, Como se fosse forma certa, em meio De outra forma e, no rol dessa moagem, Impor consiga ao caos o metro um freio? Não vês que tudo nela é devaneio, De nuvens sem relógio e terça margem? Se pousa a coisa no olho o seu ponteio, Toda pausa no verbo é só miragem, Que o metro quer domar, em seu receio De ser tudo que falo vadiagem, E a fala enfim só pense em seu recreio. Se em tudo enfim nos goza a parolagem, Se alada é a voz (e Homero o viu primeiro), Por que falar, ó Sílvia, de linguagem? JARDINS VOADORES Mas jardins voadores o que são? O anil alucinado da semente? Flora de chumbo e mesmo assim balão? O vôo do jardim é um mau demente, O humano além do topo e da razão. Mas, sojugado ao estremecimento, O vôo do jardim à idéia é não, E o que dele nos lembra é só tormento. É gói um jardim no voar, é jew, É o tépido sonho da pedra calva, É o pombo com pelica de um leopardo. Mas ser jardim alado assim no anil É de Pandora o cio na Estrela D'Alva, Pois voam tais jardins de lírios pardos. DESCONCERTO O que eu te digo aponta para o pasto, Mas só te apegas ao cordel da boca. Se ruminasses, bem verias o gasto Que amor desfolha pela terra louca. Em vão te falo, a te apontar o traço Que ao pote leva da ternura pouca. Tu queres tudo, mas não dás um passo Pra iluminares o que em mim se enoita. Se aos olhos meus ao menos te mirasses, Se um pouco do que sinto já sentisses, Se o que eu dissesse na tua pele entrasse, Fatal eu lhe diria ser teu passo, Virias onde, gêmeo, eu bem seguisse, Que em nada culpa tens do meu fracasso. FUMANDO ESPERO É assim o cigarro, invasor de outro Planeta, névoa acaso ectoplasmática, Que ao corpo dá seu peso e sua gramática E manso faz em nós seu valhacouto. Já não fumamos, pois fumados somos, E a mente, diplomática, faz cálculos: Quantos serão da morte os fungos, pomos, Que em meu sonso pulmão sopram seus cálamos? Ah, morte, morte, com teu fumo e sono, Agora não me leves, deixa o ser Da brasa inda vagar, pois, vaticina, E enfim por entre escombros de carbono A minha alma suba, e vão dizer: "Foi o cigarro", eu digo: "Foi a sina". TRANSCRIAÇÃO DE SHAKESPEARE Não chamem meu amor idolatria, Nem gritem ser um ídolo quem amo, Se há dor em meu cantar, minha mestria É de rimar àquela a quem reclamo. Se foi gentil o amor, gentil é sempre. Tanto é cioso e excelente o lume Do verso com que amor eu lembro ardente, Que a dispersão, se houver, ela reúne. Sai vero, bom, gentil meu argumento, Gentil, e bom e vero em vários verbos, E já se evola em variar-me o tento, Em temas três gerando um fim eterno Pois vero, bom, gentil é cada um E em ti se ajuntam, noutra, em tempo algum. MULHER Como sofisma e espia a fêmea ao léu, Como deixa passar, já quase em vão, Perdido em fumo, o palavrão de Adão, E esfinge finge apenas ver o céu! Desvia (é Manolete a fêmea) o chiste Em sua cintura, e embebe o golpe em nada, E quanto mais aérea dobra o lume, Que alerta está uma fêmea em flor calada. Não creio que conheça a fêmea a morte, Ela que austera engendra os imortais. Mas a enganai, com pólens e perfumes, Com rendas e punhais, cascata e mais: Tereis o touro, e em chifres tão agudos, Que esconde o pinto Adão, de horror aos ais. LÍRICA Em nós não tem raiz nenhum lirismo. Em coisas que nos tocam tem seu lar. Jamais solares, coisas de sonhar, E nem nas de afundar em cataclismos. Se te pinta ao verso algum Narciso, Faz Eco em pedra-pomes ablução! Pois, aluguel de orelha, e só prisão, Teu ego à poesia põe mau siso. Sem ele vai a lira aos mananciais Alcoólicos do som: o amor em mira, Quer finado ou fingido, não ponhais Em poço multicor, em frouxos ais. Pois dor seu tom não cala em vera lira, Alma, porém, mais luz, e nada mais. PAROLAGEM Hoje é tudo, meu bem, lero e discurso, E ontem, também, não viu? foi tudo peta, Não pára o falatório do planeta, E o que o verbo não fez, nem teve curso, Pues mudo un hueso ya no tiene glória. Dos entes filosofam as mutretas: O Ser aqui, Não-Ser ali, são tretas De um logos de boteco, minha Flora. Se então a engana o logos, só no instante Em que você dublar a musa treda Que o fado faz, nos vai pegando, e pisa No olhar de Galileu (nem leu Don Juan Um teco do que o corpo esconde à letra), Terás teu bem, meu bem, pagando a pizza. FENOMENOLOGIA Com Edmundo, voyeur, ganhei meu lema: Faz o poema não a lavra do cabra, O carma em periquito da palavra, Nem poesia é cor, ou sol de emblema. Não faz o mor primor a qualidade, (Que isso é pinto pra pupila de Edmundo). O que faz meu soneto é a Mesmidade De todos os sonetos que há no mundo. Ardentes laranjais de Goethe são Feche os olhos pra ver pede Edmundo, Os mesmos de Ataulfo à beira estrada. O que faz o poema é o mesmo duende Que corta como vidro o rio do mundo, Das ânsias dessas mágoas faz nonada. QUARTEL Eu, reco, em Quitaúna, exercitava Imitação: nem lera de Platão A estática República, senão, Qual cão em prontidão eu só marchava. Foram dedar-me ao coronel a mímese, Que o arremedava bem, falam do lúdico. "Recruta", diz, "me imita com o escrúpulo exato e perenal do meu fac-símile". Eu fiz, riu verde então, a cara cética. Amarelada a situação eu vi. Rigor tinha o corona em sua Poética: "És um falso pintor, falaz profeta, A cana é teu lugar e não aqui, Que aqui não pinta estética sem ética". OS ETERNOS Eu sei: o Dorival bovino atrela À praia a rosa louca em sua síntese, E Orestes, barroqueando, fez da antítese Babar Manuel Bandeira: chão de estrelas. Claro, você me jura que Noel No bonde mais soluça que ao barraco, E a irmã morena do Cartola é Safo, E sangra das funéreas flores fel Por Nelson Cavaquinho (Deus o tenha). E mais? que a bênção tem do seu divórcio O astuto Lupicínio, mas pergunto: O samba, qual Geraldo, alguém desenha Em miniatura e femininos ócios, Do Rio já fez alguém tão belo mundo? APOLO VS MARSIAS Ingênuo e carinhoso, Pixinguinha, Da flauta (viu Paris), tirou sacis. Mas derradeira Europa, qual se diz, No som mazurco de Calado vinha. E se apóia Patápio nesse trino De Cila e de Caribdis (Meira e Dino), Que degelou estrelas: quem é o fino Que co'o sopro ficou do Benedito? Foi Copinha, Altamiro, Mauro Silva? E quem quebrou o céu em pedacinhos? A escala de Jacó? Quem saberá? Se Marsias no país no choro um silva; E Apolo faz um sol no cavaquinho Então que mais de lá nos faltará? (*) Muitos editores, ainda presos a antigas tradições sibilinas, omitem dados sobre os autores que publicam, especialmente local e data de nascimento. Eis por que até hoje não se sabe em qual sítio da Hélade nasceu Zenão, se em Cítio ou em Eléia. Acredita-se, inclusive, que sejam dois os Zenões, assim como os vários Homeros. Enquanto a equipe de pesquisadores chefiada pelo professor João Alexandre Barbosa não descobre o helesponto exato onde nasceu o professor Medina, fica provisoriamente registrado que ele tenha, olimpicamente, origem mais modesta que seus colegas de panteão. [nota de GM]
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