|| | ||S|| | ||O|| | ||N|| | ||E|| | ||T|| | ||Á|| | ||R|| | ||I|| | ||O|| | ||||| | ||||| | ||||| | || |
Antônio Mariano Alberto de Oliveira (Palmital de Saquarema RJ 1857-1937)
No pódio parnasiano ganhou medalha de bronze (depois do áureo Bilac e do
argênteo Raimundo Correia), mas paira olimpicamente acima da multidão de
sonetistas da época. Com Bilac e Pedro Tavares Júnior assinou o
pseudônimo coletivo de Ângelo Bitu, com o qual foram satirizados os
políticos cariocas de então, como Alberto Torres, que por seu pedantismo
era apelidado de Conselheiro Acácio. Exemplo desse tipo de epigrama:
TALENTO E ORELHAS E inda há quem creia que é talento aquilo! Aquele dedo erguido e falar lento, Aquele olhar como de sonolento, E o todo acacial, grave e tranqüilo... Talento! mas, então, também no Nilo Força é dizer que havia esse talento, Quando o "gesto impudico" em meigo acento Frisou da Vênus, quero crer, do Nilo! Para esvurmá-la, como a vis bostelas, Nas mãos do meu amigo, o "Saca-muelas", As mensagens do Acácio, um dia empurro; E ele há de vos mostrar, claro e evidente, Que quem tais coisas faz é, certamente, Um néscio, um tolo, um parvo, um zote, um burro! Além da pura sátira e da temática mais "solene", o poeta se permitiu incursionar por motivos anedóticos, que lhe renderam grande repercussão, como no grotesco soneto abaixo: A VINGANÇA DA PORTA Era um hábito antigo que ele tinha: Entrar dando com a porta nos batentes. "Que te fez esta porta?" a mulher vinha E interrogava... Ele, cerrando os dentes: "Nada! Traze o jantar." Mas à noitinha Calmava-se; feliz, os inocentes Olhos revê da filha e a cabecinha Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes. Uma vez, ao tornar à casa, quando Erguia a aldraba, o coração lhe fala: "Entra mais devagar..." Pára, hesitando... Nisso nos gonzos range a velha porta, Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala A mulher como doida e a filha morta. Um dramalhão desses não passaria despercebido dos parodistas, caso desta amostra em macarrônico "bacalhoano": A BINGANÇA DA PORTA [Furnandes Albaralhão] Era um custume vesta que ele tinha Intrar vatendo a porta: "Antão, Manéle! Lhe dizia a mulhére, que papéle! Não me faças romôre! Olha a bizinha!" E todo dia era essa ladainha! Sujaito desumano, pai cruéle, Dizia-lhe: Si tains amôre à pele Daixa-me sussigado, ó mulherzinha!" Uma noite em que bâiu desse jaito, A pinitrar cum falta de ruspaito Na casa em que amvos eles dois residem, Avrindo a porta a punta-pés, zangado, Biu pulo chão, uma de cada lado, A mulhére inguiçada e a filha idem! Também eu me aventurei entre os parodistas albertianos. Escolhi o soneto "Enfim", a que dei versão podólatra no "Suplantado": ENFIM Enfim... Nas verdes pêndulas ramadas Cantai, pássaros! Vinde ouvi-lo! Rosas, Abri-vos! Lírios, recendei! Medrosas Miosótis e acácias perfumadas, Prestai-me ouvido! Saibam-no as cheirosas Balças e leiras úmidas plantadas; Aves e flores, flores e alvoradas, Alvoradas e estrelas luminosas, Saibam-no, saiba o céu com a esfera toda Que, enfim, sua mão, enfim, sua mão de leve... Borboletas, que pressa! Andais-me em roda! Auras, silêncio! Enfim, sua mãozinha, Sua mão de jaspe, sua mão de neve, Sua alva mão pude apertar na minha! SONETO 640 SUPLANTADO [Glauco Mattoso] Até que enfim! Estoure-se a pipoca! Badalem sinos! Flores abram já! As aves corram todas para cá! Meu júbilo a atenção geral convoca! Estrelas resplandeçam! Que a fofoca se espalhe desde o Pampa ao Amapá! Que estampem os jornais! Que o blablablá por tema tenha o que meu lábio toca! O céu saiba de tudo, e toda a esfera, que, enfim, seu pé... no olhar se me agiganta... Até a periquitada se aglomera! Silêncio, cachorrada! Enfim, me canta a vida! Enfim, depois de tanta espera, senti no lábio, em cheio, a plana planta! Outros sonetos de Alberto de Oliveira: EXCELSITUDE Chegaste onde chegar nem pode o pensamento. Eu que te vi partir, eu me deixei sozinho Ficar, amando ainda este chão de caminho, Onde há pedra, onde há serpe, o tojo, a chuva e o vento. Prenda-me agora, mais que a terra, o firmamento; O que inda há por sofrer, sofra, a falar baixinho Com as estrelas; rasteje, humilhado e mesquinho, Aos pés de cada altar; só meu gozo e alimento Seja a oração; deserte o mundo; ermado e triste, Viva só para a Fé, e ai! só para a Saudade; Nunca me hei-de elevar à altura a que subiste! Nunca mais te hei-de ver! Entre nós ambos corre, A estremar-te de mim, a tua eternidade, A estremar-me de ti, tudo o que é humano e morre. UM CANTO AINDA Um canto ainda, antes que a noite desça E este sol, que é o da vida, apague e suma! A árvore, antiga embora, inda ressuma Cheiroso bálsamo, e talvez floresça. Que importa já me alveje na cabeça Neve dos anos, como em cerro a bruma? A alma me vai no canto, como a espuma Na vaga, até que o sol desapareça. Ainda um canto! e vá no canto a vida, Vão os meus sonhos mortos e a perdida, Morta esperança, a flutuar dispersos... Como cansado arbusto os ares olha, Sem mais ver primavera, e, folha a folha, Se esfaz em folhas, eu me esfaço em versos. CRESCENTE DE AGOSTO Alteia-se no azul aos poucos o crescente, O ar embalsama, os cirros leva, o escuro afasta; Vasto, de extremo a extremo, enche a alameda vasta E emborca a urna de luz nas águas da corrente. Na escumilha da teia, onde a aranha indolente Dorme, feita de orvalho, uma pérola engasta. Faz aos lírios mais branca a flor cetínea e casta, Mais brancos os jasmins e a murta redolente. Faz chorar um violão lá não sei onde... (A ouvi-lo Na calada da noite, um não-sei-quê me invade) Faz que haja em tudo um como estranho espasmo e enlevo; Faz as cousas rezar, ao seu clarão tranqüilo, Faz nascer dentro em mim uma grande saudade, Faz nascer da saudade estes versos que escrevo. ALTO DE SERRA Efunde a urna de Aquário a espaços o chuveiro Que as flores lava, os brotos abre, o ar purifica. Bebo-te, ó sazão forte, a seiva agreste e rica Neste cheiro de chão de serra, que é o teu cheiro. Já seu nevado véu de rendas o espinheiro Solta; do ingá polpudo a árvore frutifica; No álveo de areia e pedra e piscas de ouro e mica Fartas rolam, cantando, as águas do ribeiro. Um dia novo a tudo acaricia e banha. Que bom fora já ter morrido, para agora Ver-me esparso em cristais, folhas, eflúvios, lumes! Para sorrir ao sol que doura esta montanha! Para chorar no tom com que este rio chora! Para elevar-me aos céus em névoas e perfumes! O NINHO O musgo mais sedoso, a úsnea mais leve Trouxe de longe o alegre passarinho, E um dia inteiro ao sol paciente esteve Com o destro bico a arquitetar o ninho. Da paina os vagos flocos cor de neve Colhe, e por dentro o alfombra com carinho; E armado, pronto enfim, suspenso, em breve, Ei-lo, balouça à beira do caminho. E a ave sobre ele as asas multicores Estende e sonha. Sonha que o áureo pólen E o néctar suga às mais brilhantes flores; Sonha... Porém, de súbito, a violento Abalo acorda. Em torno as folhas bolem... É o vento! E o ninho lhe arrebata o vento! O CHORO DAS VAGAS Não é de águas apenas e de ventos, No rude som, formada a voz do Oceano: Em seu clamor ouço um clamor humano, Em seus lamentos todos os lamentos. São de náufragos mil estes acentos, Estes gemidos, este aiar insano; Agarrados a um mastro, ou tábua ou pano, Vejo-os varridos de tufões violentos; Vejo-os, na escuridão da noite, aflitos, Bracejando, ou já mortos e de bruços, Largados das marés, em ermas praias... Oh! que são deles estes surdos gritos, Este rumor de preces e soluços É o choro de saudade destas vagas! HORAS MORTAS Breve momento, após comprido dia De incômodos, de penas, de cansaço, Inda o corpo a sentir quebrado e lasso, Posso a ti me entregar, doce Poesia. Desta janela aberta à luz tardia Do luar em cheio a clarear no espaço, Vejo-te vir, ouço-te o leve passo Na transparência azul da noite fria. Chegas. O ósculo teu me vivifica. Mas é tão tarde! Rápido flutuas, Tornando logo à etérea imensidade; E na mesa a que escrevo, apenas fica Sobre o papel rastro das asas tuas, Um verso, um pensamento, uma saudade. O MURO É um velho paredão, todo gretado, Roto e negro, a que o tempo uma oferenda Deixou num cacto em flor ensangüentado E num pouco de musgo em cada fenda. Serve há muito de encerro a uma vivenda; Protegê-la e guardá-la é seu cuidado; Talvez consigo esta missão compreenda, Sempre em seu posto, firme e alevantado. Horas mortas, a lua o véu desata, E em cheio brilha; a solidão se estrela Toda de um vago cintilar de prata; E o velho muro, alta a parede nua, Olha em redor, espreita a sombra, e vela, Entre os beijos e lágrimas da lua. ALMA EM FLOR, XVII Parado o engenho, extintas as senzalas, Sem mais senhor, existe inda a fazenda, A envidraçada casa de vivenda Entregue ao tempo com as desertas salas. Se ali penetras, vês em cada fenda Verdear o musgo e ouves, se acaso falas, Soturnos ecos e o roçar das alas De atros morcegos em revoada horrenda. Amam o luar, entretanto, essas ruínas. Uma noite, horas mortas, de passagem Eu a varanda olhava, quando vejo À janela da frente, entre cortinas De prata e luz, chegar saudosa imagem E, unindo os dedos, atirar-me um beijo... A CASA DA RUA ABÍLIO A casa que foi minha, hoje é casa de Deus. Tem no topo uma Cruz. Ali vivi com os meus, Ali nasceu meu filho, ali, na orfandade Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidade Deixo e vou vê-la, em meio aos altos muros seus. Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus. São as freiras rezando. Entre os ferros da grade, A espreitar-lhe o interior, olha a minha saudade. Um sussurro também, em sons dispersos, Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos. De alguns, talvez, ainda, os ecos falarão. E em seu surto, a buscar eternamente o belo, Misturado à voz das monjas do Carmelo, Subirão até Deus nas asas da oração. LENDO OS ANTIGOS Vamos reler Teócrito, senhora, Ou, se lhe apraz, de Teos o citaredo; Olhe a verdura aqui deste arvoredo À beira da água... E o sol que desce agora. Lécio, o pastor, nesta colina mora, Onde as cabras ordenha. Este silvedo Guarda de Umbrano à flauta a voz canora, Como este arbusto a Títiro o segredo. Esta água... Olhe, porém, como é tão pura Esta água! O chão de nítidas areias, Plano, igualado, límpido fulgura; E tão claro é o cristal que, abrindo o louro Cabelo, em grupo trêmulas sereias Se vêem lá em baixo neste fundo de ouro. A VOLTA DA GALERA Quase em Corinto. As velas esquisitas, Purpúreas velas de real trirreme, Pandas ondulam; a água escura freme E ouve-se a espaço a voz dos talamitas. Praias do iônio mar, sede benditas! A torre vejo e a luz que vela e treme; Frínia me espera e desolada geme, Do alto encarando as águas infinitas. Tal ao compasso de impelidos remos Ouvia a noite a alguém que velejava, A alma espraiando em lágrimas e extremos; E perto as praias nítidas medindo, Curvas, sem termo, a sombra meditava, Do ombro a clâmide aos ventos sacudindo. EM CAMINHO Vai pálida de susto na viagem, O cavalo a reger, que salta e embrida De quando em quando, a loura e bela Armida; Sigo-a, segue-me após o lesto pajem. Dens'umbroso sertão que a amar convida, Ermo retiro, incógnita paragem, Tudo, ao zumbir do vento na ramagem, Cortamos, galopando a toda a brida. Mas eis que um rio súbito aparece, Da estrada em meio, undoso, derramado... Susto a marcha ao cavalo, o pajem desce, Treme a dama, eu, que avanço, encosto-a ao flanco, Enquanto n'água o pajem salta ousado E as rédeas toma ao seu cavalo branco. NUVENS Há uma nuvem no céu que é minha. Desce, Quando de cá lhe aceno aborrecido, Ou quando ao que há por lá voltando o ouvido, Viajar entre as estrelas me apetece. Como se fora espírito perdido No espaço, ela translúcida aparece; Revela-lhe a presença o ar que estremece, E um rumor leve só por mim sentido. Chega, arrebata-me. Um momento apenas, E eis como um pó que se sacode fora, Vão me ficando atrás, caindo, as penas, Penas que se levantam depois, quando Torno à terra, e a agravar-me estão agora A saudade do céu, que andei viajando. IRONIA De cima abaixo a lâmina brilhante Da vidraça estalou. E o vidro, agora Fendido ao meio, espia o céu cá fora, Com o olhar partido em dois, pisco, hesitante... Não sei o que secreto e lancinante Ali se esconde, alma talvez que chora E num esgar se estorce aflita, embora A serena aparência do semblante. Brinca-lhe o sol à face, a aura lhe adeja, E o vidro, sem que alguém lhe ouça um gemido Ou o sofrer recôndito lhe veja, Mudo, irônico, frio e incompreendido, Cortando anavalhado a luz que o beija, Parece estar-se a rir de estar ferido. VASO GREGO Esta, de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que a suspendia Então e, ora repleta ora esvazada, A taça amiga aos dedos seus tinia Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas o lavor da taça admira, Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se de antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa a voz de Anacreonte fosse. VASO CHINÊS Estranho mimo, aquele vaso! Vi-o Casualmente, uma vez, de um perfumado Contador sobre o mármor luzidio, Entre um leque e o começo de um bordado. Fino artista chinês, enamorado, Nele pusera o coração doentio Em rubras flores de um sutil lavrado, Na tinta ardente, de um calor sombrio. Mas, talvez por contraste à desventura Quem o sabe? de um velho mandarim Também lá estava a singular figura: Que arte, em pintá-la! A gente acaso vendo-a Sentia um não sei quê com aquele chim De olhos cortados à feição de amêndoa. MANTO REAL Da flava Ceres falta-te ao cabelo A cor, que o dela havia e os trigos doura; Tens negra a trança e deverei dizê-lo Melhor te fica que se fosse loura. Crespa, enredada em serpes, tentadora, Cheiro-a, louco, febril e ardendo em zelo; E ela em meus lábios, qual se a noite fora, Da volúpia infernal me imprime o selo. Toco-a, aperto-a, desato-a fio a fio, Estendo-a nos meus ombros, velo ondeante; Tomo-lhe as pontas, o teu rosto espio: E entre os claros da trama escura e bela Creio, vendo-te a luz do olhar radiante, Ver a réstia de fogo de uma estrela. ÚLTIMA DEUSA Foram-se os deuses, foram-se, em verdade; Mas das deusas alguma existe, alguma Que tem teu ar, a tua majestade, Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma. Ao ver-te com esse andar de divindade, Como cercada de invisível bruma, A gente à crença antiga se acostuma E do Olimpo se lembra com saudade. De lá trouxeste o olhar sereno e garço, O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto, Rútilo rola o teu cabelo esparso... Pisas alheia terra... Essa tristeza Que possuis é de estátua que ora extinto Sente o culto da forma e da beleza.
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |