|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Manuel Botelho de Oliveira (Salvador BA 1636-1711)

Primeiro poeta nascido no Brasil a ver suas produções em letra de forma, este gongórico não deixou por menos e versejou em quatro línguas (português, espanhol, italiano e latim); nem por isso abriu mão da tropicalidade, tendo celebrado, por exemplo, as frutas da terra num poema cujos versos encaixei centônica e barrocamente no seguinte soneto:


SONETO 212 SEISCENTISTA

Gregório é conterrâneo do Botelho,
poeta que não citam hoje em dia.
A nova geração nem desconfia
que as frutas tropicais são seu conselho.

Diz ele, entre o araçá e o caju vermelho:
"Além das frutas que esta terra cria,
também não faltam outras na Bahia..."
No amor ao coco, nada lhe é parelho.

"Outras frutas dissera, porém basta",
conclui o nosso bardo, arrematando:
"das que tenho descrito a vária casta."

Concordo quanto ao coco, mesmo quando,
ainda verde, a polpa é como pasta,
pois lembra o sebo que eu vou degustando...


	Glauco Mattoso


Como seu contemporâneo Gregório, o poeta lírico foi também crítico e
político, a julgar pelo exemplo abaixo:


AOS MAUS JUÍZES

Que julgas, ó ministro da Justiça?
Por que fazes das leis arbítrio errado?
Cuidas que dás sentença sem pecado,
Sendo que algum respeito mais te atiça,

Para obrar os enganos da justiça?
Bem que teu peito vive confiado,
O entendimento tens todo arrastado
Por amor, ou por ódio, ou por cobiça.

Se tens amor, julgaste o que te manda;
Se tens ódio, no inferno tens o pleito,
Se tens cobiça, é bárbara e execranda.

Oh, miséria fatal de todo feito!
Que não basta o direito da demanda,
Se o julgador te nega esse direito...


Abaixo vai pequena seleção de outros sonetos de Botelho, escolhidos a
dedo pelo professor João Adolfo Hansen, a quem agradeço a paciência do
especialista:



[VERSOS AMOROSOS]


ANARDA INVOCADA [SONETO I]

Invoco agora Anarda lastimado
Do venturoso, esquivo sentimento:
Que, quem motiva as ânsias do tormento,
É bem que explique as queixas do cuidado.

Melhor Musa será no verso amado,
Dando para favor do sábio intento
Por Hipocrene o lagrimoso alento,
E por louro o cabelo venerado.

Se a gentil  fermosura em seus primores
Toda ornada de flores se avalia,
Se tem como harmonia seus candores;

Bem pode dar agora Anarda impia
A meu rude discurso cultas flores,
A meu plectro feliz doce harmonia.


SOL E ANARDA [SONETO IV]

O sol ostenta a graça luminosa,
Anarda por luzida se pondera;
O sol é brilhador na quarta esfera,
Brilha Anarda na esfera de formosa.

Fomenta o sol a chama calorosa,
Anarda ao peito viva chama altera,
O jasmim, cravo e rosa ao sol se esmera,
Cria Anarda o jasmim, o cravo e rosa.

O sol à sombra dá belos desmaios,
Com os olhos de Anarda a sombra é clara,
Pinta maios o sol, Anarda maios.

Mas (desiguais só nisto) se repara
O sol liberal sempre de seus raios,
Anarda de seus raios sempre avara.


VENDO A ANARDA DEPÕE O SENTIMENTO [SONETO VII]

A serpe, que adornando várias cores,
Com passos mais oblíquos, que serenos,
Entre belos jardins, prados amenos,
É maio errante de torcidas flores;

Se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe co' a peçonha menos,
Porque não morra cos mortais venenos,
Se acaso gosta dos vitais licores.

Assim também meu coração queixoso,
Na sede ardente do feliz cuidado
Bebe cos olhos teu cristal fermoso;

Pois para não morrer no gosto amado,
Depõe logo o tormento venenoso,
Se acaso gosta o cristalino agrado.


CEGANDO DUAS VEZES, VENDO A ANARDA [SONETO VIII]

Querendo ter Amor ardente ensaio,
Quando em teus olhos seu poder inflama,
Teus sóis me acendem logo chama a chama,
Teus sóis me cegam logo raio a raio.

Mas quando de teu rosto o belo maio
Desdenha amores no rigor que aclama,
De meus olhos o pranto se derrama
Com viva queixa, com mortal desmaio,

De sorte, que padeço os resplandores,
Que em teus olhos luzentes sempre avivas,
E sinto de meu pranto os desfavores:

Cego me fazem já com ânsias vivas
De teus olhos os sóis abrasadores,
De meus olhos as águas sucessivas.



[VERSOS FILOSÓFICOS E RELIGIOSOS]


AO SONO [SONETO XIII]

Quando em mágoas me vejo atribulado,
Vem, sono, a meu desvelo padecido,
Refrigera os incêndios do sentido,
Os rigores suspende do cuidado.

Se no monte Cimério retirado
Triste lugar ocupas, te convido
Que venhas a meu peito entristecido,
Porque triste lugar se tem formado.

Se querem noite escura teus intentos
E se querem silêncio; nas tristezas
Noite e silêncio têm meus sentimentos:

Porque triste e secreto nas ternezas,
É meu peito  ua  noite de tormentos,
É meu peito um silêncio de finezas.


A UM GRANDE SUJEITO INVEJADO E APLAUDIDO [SONETO II]

Temerária, soberba, confiada,
Por altiva, por densa, por lustrosa,
A exalação, a névoa, a mariposa,
Sobe ao sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.

Castigada, desfeita , malograda,
Por ousada, por débil, por briosa,
Ao raio, ao resplandor, à luz fermosa,
Cai triste, fica vã, morre abrasada.

Contra vós solicita, empenha, altera,
Vil afeto, ira cega, ação perjura,
Forte ódio, rumor falso, inveja fera.

Esta cai, morre aquele, este não dura,
Que em vós logra, em vós acha, em vós venera,
Claro sol, dia cândido, luz pura.


AO CRAVO [SONETO X]

Quando rei dos floridos esplendores,
Te reconhece Abril, te aclama o prado,
Em sólio de esmeralda entronizado,
Da púrpura te vestes os primores.

Luzes qual sol entre astros brilhadores,
Se bem rei mais propício, e mais amado;
Que ele estrelas desterra em régio estado,
Em régio estado não desterras flores.

Porém deixa a soberba, que te anela
Essa fragrância, essa beleza culta,
Pois somente em queimar-te se desvela:

Que se teu luzimento mais se avulta,
Esse alento, que exala, é morte bela,
Essa grã, que se veste, é chama oculta.


A UMA CAVEIRA [SONETO CXIII]

Esta, que vês Caveira pavorosa!
este, que vês assombro denegrido!
este que vês retrato carcomido!
esta que vês pintura dolorosa!

Esta que vês batalha temerosa!
este que vês triunfo repetido!
este que vês Castelo destruído!
esta que vês Tragédia lastimosa!

Esta enfim te apregoa a desventura
com o mudo pregão de teus enganos
pera buscar a vida mais segura:

Se olhos não tem, nem língua em breves anos,
nesta cegueira vês tanta loucura,
ouves neste silêncio os desenganos.


PONDERAÇÃO DA VIDA HUMANA [SONETO CXV]

Homem que queres?vida regalada:
vida que solicitas?larga idade:
idade que procuras?liberdade:
liberdade que logras?prenda amada:
prenda que conta fazes? conta errada:
conta que somas já? pouca verdade:
verdade que descobres?a vaidade:
vaidade que pertendes?tudo e nada:
tudo que ganhos dá?perda notória:
perda que vem a ser?de Deus eterno:
Deus que vida nos presta? transitória:
transitória que aspira?ao Céu superno:
Céu que nos oferece?a eterna glória:
glória que nos evita? o triste inferno:


AFETOS JACULATÓRIOS [SONETO CXVII]

Quem pudera Senhor sempre atender-vos!
quem pudera Senhor sempre agradar-vos!
quem pudera Senhor sempre buscar-vos!
quem pudera Senhor sempre querer-vos!

Quem me dera meu Deus nunca ofender-vos!
quem me dera meu Deus nunca agravar-vos!
quem me dera meu Deus nunca deixar-vos!
quem me dera meu Deus nunca perder-vos!

Oh quem pudera nunca resistir-vos
da terra desprezando a doce guerra
pera em meu peito sempre possuir-vos:

Mas ai! que tal miséria em mim se encerra
que se largá-la quero por seguir-vos,
a terra pega em mim, por ser da terra.

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes