Se a filosofia tem mais perguntas que respostas e a religião mais proibições que promessas, a poesia encontra sempre (dependendo do humor do poeta) um meio (que nunca é o meio termo) de responder mais que a filosofia e de prometer mais que a religião. Se o poeta for otimista, a pior das hipóteses é a esperança e a melhor o paraíso; se for pessimista, o inferno é aqui e agora, e sempre pode piorar antes que o soneto acabe. Enquanto as opiniões do sonetista couberem numa perspectiva pascaliana (ou seja: para quem crê, explicações não são necessárias; para quem não crê, não são suficientes), a seleção mais pertinente estaria na página O SONETO SAGRADO ou na página O SONETO FILOSÓFICO. A partir do ponto em que o sonetista se predispõe a pintar com tinta preta ou cor-de-rosa, seu caso se enquadra na página O SONETO PESSIMISTA ou nesta que apresento abaixo. [GM] SUBLIMAÇÃO [Abílio de Carvalho] Não levantes ao céu o teu punho iracundo, Se à porta te bateu o duende da amargura: Toma a tinta e o papel, concentra-te e procura Buscar no sofrimento um motivo jocundo. Ah! o tesouro da Arte imaterial e pura, Que traz fulgurações à impureza do mundo, E arranca o nosso ideal ao abismo profundo Transformando-o num astro, a brilhar lá na Altura! Homem de vibração, alma livre de Artista, Aquele que, na Dor é desprendido e altruísta E em pérolas de rima enfeixa os sonhos seus, Nada o suplantará na inspiração que o inflama: Pois tendo, embora, os pés mergulhados na lama, Traz o crânio pousado entre os braços de Deus! VENCEDOR [Augusto dos Anjos] Toma as espadas rútilas, guerreiro, E à rutilância das espadas, toma A adaga de aço, o gládio de aço, e doma Meu coração estranho carniceiro! Não podes?! Chama então presto o primeiro E o mais possante gladiador de Roma. E qual mais pronto, e qual mais presto assoma Nenhum pôde domar o prisioneiro. Meu coração triunfava nas arenas. Veio depois um domador de hienas E outro mais, e, por fim, veio um atleta, Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem... E não pôde domá-lo, enfim, ninguém, Que ninguém doma um coração de poeta! À ESPERA [Batista Cepelos] Com sua voz assustadinha e doce, Doce como um trinar de passarinho, Ela me disse que esperá-la fosse, Fosse esperá-la à beira do caminho. Mas o tempo da espera prolongou-se, Prolongou-se de mais! E então sozinho, Passou o dia. Veio a tarde e trouxe, Trouxe arrulhos de amor, de ninho em ninho. Desespero. O silêncio me tortura. Mas, de repente, alvoroçado, escuto Um farfalhar de folhas na espessura. Ela chega e tão linda, de maneira Que só para gozar este minuto Eu a esperara a minha vida inteira. A DOR [Brant Horta] Dor! excelso crisol de uma alma forte, Do tímido o terror, do justo o encanto: Para este, um gozo idolatrado e santo, Para aquele, sinônimo de morte. Água lustral do pecador sem norte, Clarão nas trevas e na luz um canto! Dor! blasfemam-te os homens, e, no entanto, És dos bons a benévola consorte. Ó grande Dor, meu canto de esperança, De Deus misericórdia e graça imensa, Dados à alma ditosa que te alcança. Bendita sejas com teu doce arcano, Que nos alenta e nos apura a crença, E faz um semideus de um ser humano! OFERENDA [Carmen de Melo] Eu te ofereço a minha afinidade Com teu modo de ser, pensar e agir. Que eu possa continuar tua bondade, Por meu olhar, meu gesto e meu sorrir. Minha palavra, como a tua, agrade, Para todos gostarem de me ouvir. Que eu tenha sempre esta felicidade: Que eu saiba dar, para saber pedir. A mão que escreve, como a tua, seja, Para que todo coração me veja, Pura, sincera, corajosa e boa. Que tenha honestidade no louvor E que saiba traçar, com muito amor, A divina palavra que perdoa. BONDADE [Cruz e Souza] É a bondade que te faz formosa, que a alma te diviniza e transfigura; é a bondade a rosa da ternura, que te perfuma com perfume à rosa. Teu ser angelical de luz bondosa, verte em meu ser a mais sutil doçura, uma celeste, límpida frescura, um encanto, uma paz maravilhosa. Eu afronto contigo os vampirismos, os corruptos e mórbidos abismos, que em vão busquem tentar-me no caminho. Na suave, na doce claridade, no consolo de amor dessa bondade bebo a tu'alma como etéreo vinho. OLHOS [Cruz Oliveira] Olhos! Tantos amei quantos me abandonaram... Tantos cobri de bens, de inefáveis ternuras, Quantos me querem mal, que em lugar me deixaram De minhas ilusões, desilusões bem duras. E dizer que os perdoei; que mau grado amarguras De que venho de encher dias que se passaram, Só lhes desejo o bem das carícias mais puras Que hoje me apraz perdoar os que me não perdoaram! E isso me cura um pouco esse desgosto imenso De amá-los, esse tédio, a fartura, o cansaço Da vida; e me dá mesmo um prazer quando penso Nas vezes em que a sós eles se consideram E me admiram maior, pelo bem que lhes faço, Do que eles pelo mal que sempre me fizeram. ATO DE CARIDADE [Djalma Andrade] Que eu faça o bem, e de tal modo o faça, Que ninguém saiba o quanto me custou. Mãe, espero de Ti mais esta graça: Que eu seja bom sem parecer que o sou. Que o pouco que me dês me satisfaça, E se, do pouco mesmo, algum sobrou, Que eu leve esta migalha aonde a desgraça Inesperadamente penetrou. Que a minha mesa, a mais, tenha um talher, Que será, Minha Mãe, Senhora Nossa, Para o pobre faminto que vier. Que eu transponha tropeços e embaraços: Que eu não coma, sozinho, o pão que possa Ser partido, por mim, em dois pedaços. RECORDA [Edmundo Costa] Guarda dentro de ti, no fundo da memória, A efêmera impressão das horas de alegria: Minutos de prazer, segundos de harmonia, Claros dias de amor, instantes de vitória. Mais tarde, ao desenhar-se a lúgubre invernia, Nos últimos quartéis da vida transitória, Rememora, de cor, os trechos dessa história Para a tua velhice, inanimada e fria. Novo e estranho fulgor terás no olhar cansado... Por esse reviver, que galvaniza e ilude, De novo pulsará teu coração parado. E sobre o teu ocaso, embranquecido e rude, Esse sol de verão, que guardas do passado, Há de rasgar manhãs de eterna juventude. ASPIRAÇÃO [Eduardo Nazareno] Possa um dia cantar o teu passado, Como cantei, outrora, o teu futuro; Ver-te sempre através daquele puro Prisma por que te via no noivado. Se pela vida incerta eu me aventuro Com ar assim tranqüilo e confiado, É que por este excelso amor levado, Sinto o caminho agora mais seguro. Esperanças me impelem para a frente, Ambições me conduzem na torrente, Por mim desfilam mágicas visões. Mas tu ficas em todas as mudanças: És a maior das minhas esperanças E a mais pura das minhas ambições. A UMA SANTA [Francisca Júlia] Foge, sem ódio, ao mal; o bem pratica; Se a dor lhe dói, cuida-a gostosa e boa, Ou faz então com que ela lhe não doa; Na pobreza em que está julga-se rica; O mal, sabe que passa, o bem, que fica; Por isso o bem acolhe e o mal perdoa. Quanto mais vive, mais se aperfeiçoa, Quanto mais sofre, mais se glorifica. Por essa alta moral os atos regra; Em nenhum outro esforço em vão se cansa, Por nenhum outro ideal se bate em vão. E é feliz, mais feliz porque se alegra Não com o muito que a sua mão alcança, Porém com o pouco que já tem na mão. OLHOS NOS OLHOS [Gervásio Fioravanti] Quando o inverno passar, daqui distantes Pelos bosques iremos solitários; Tu, meu amor, inveja dos canários, Eu, teu amor, inveja dos amantes. Teus lábios nos meus lábios, tão instantes, Que eu nem lembro que os tens tão usurários... Teus olhos nos meus olhos, tão constantes, Que eu nem me lembro já que os tens tão vários Quando cansares, tu terás meu braço; Quando eu cansar, terei o teu regaço; E após beijar-te, eis-me a beijar-te ainda... Ambos fugindo ao termo da viagem, Eu nos teus olhos vendo a minha imagem, Tu nos meus olhos vendo como és linda! SONETO 113 OTIMISTA [Glauco Mattoso] Ainda somos bons de futebol. A taxa de inflação cai ano a ano. A nova inundação não causou dano. A meteorologia prevê sol. O incêndio não chegou até o paiol. Brasil vai dar asilo ao rei cubano. Na ONU já se fala o castelhano. Achado o fugitivo da Interpol. Notícia desse tipo anima a gente. "Nem tudo está perdido", pensa o cego. "Se melhorar, estraga", acha o vidente. Mas sou teimoso, e os pontos nunca entrego. No escuro, permaneço descontente. Se outrora tropeçava, hoje escorrego. QUIMERAS [Gonçalves Crespo] O mar já me tentou: aspirações fogosas Fizeram-me idear fantásticas viagens; Eu sonhava trazer de incógnitas paragens Notícias imortais às gentes curiosas. Mais tarde desejei riquezas fabulosas, Um palácio escondido em múrmuras folhagens, Onde eu fosse ocultar as cândidas imagens Das virgens que evoquei por noites silenciosas. Mas, tudo isso passou: agora só me resta Das quimeras que tive, uma visão modesta, Um sonho encantador, de paz e de ventura. É simples: uma alcova, um berço, um inocente, E uma esposa adorada, envolta, a negligente! De um longo penteador na imaculada alvura... GLÓRIA! [Harold Daltro] Glória à mais bela dentre todas! Glória À que passou por mim cheia de graça, À que me fez sonhar a alta vitória De encher de glória e luz a minha raça! Glória a quem minha vida merencória Transformou na alegria de uma taça Cheia do vinho da esperança! Glória A esse anjo bom que outro viver me traça... Glória às mãos finas desse humano lírio Que, sem saber, ingenuamente tece A coroa de amor do meu martírio! Glória a quem neste mundo de ilusória Ostentação, com seu olhar de prece, Me faz ser bom e ser paciente! Glória! SONHAR [Helena Kolody] Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço Aos páramos azuis da luz e da harmonia; É ambicionar o céu; é dominar o espaço Num vôo poderoso e audaz da fantasia. Fugir ao mundo vil, tão vil que sem cansaço Engana, e menospreza, e zomba, e calunia; Encastelar-se, enfim, no deslumbrante Paço De um sonho puro e bom, de paz e de alegria. É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo, Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo; É alçar constantemente o olhar ao céu profundo. Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida: Tão grande que não cabe inteiro nesta vida, Tão puro que não vive em plagas deste mundo. VERSOS A MIM MESMO [J. G. de Araújo Jorge] Anda! Segue a cantar!... Fala aos outros da Vida livre, e pura, e feliz, e esplêndida, e radiosa! Luta por teu amor! E a alma em ânsia possuída segundo por segundo os teus segundos goza! Que a vida é pura e é boa, e chega a ser formosa quando pode afinal ser amada e vivida, se o dinheiro é a moral, e a força é a lei honrosa, vive livre e sem leis que a Terra está perdida! Se falarem de templos, olha o céu!... te basta! Se falarem de fé, adora a terra!... é tua! E que no teu viver errante e iconoclasta ergas sempre o teu verbo olímpico e pagão diante da multidão que vacila e recua arrastando à hecatombe a civilização! À ESPERA [J. G. de Araújo Jorge] Ela tarda... E eu me sinto inquieto, quando julgo vê-la surgir, num vulto, adiante, os lábios frios, trêmula, ofegante, os seus olhos nos meus, linda, fitando... O céu desfaz-se em luar... Um vento brando nas folhagens cicia, acariciante, enquanto com o olhar terno de amante fico à sombra da noite perscrutando... E ela não vem... Aumenta-me a ansiedade... O segundo que passa e me tortura, é o segundo sem fim da eternidade... Mas, eis que ela aparece de repente!... E eu feliz, chego a crer que igual ventura bem valia esperar-se eternamente!... ESSAS COISAS DA VIDA [Jorge Azevedo] Essas coisas da vida a gente nunca esquece... Um longo beijo ao luar... uma mentira linda... Num suspiro de amor... num sussurro de prece, Guardar de toda boca uma saudade infinda... E então quando se é moço e o ardor não arrefece, Goza-se a mocidade enquanto ela não finda... Da vida bem vivida o ocaso recrudesce A tristeza de não poder mentir ainda... E a minha mocidade em beijos se avigora, Encontra em toda boca uma esplendente aurora E em todo amor um sol em que febril, se aquece... E na efemeridade em que ela se resume, O consolo a lembrar... lembrar... pois ao perfume Dessas coisas da vida a gente refloresce... SEI RIR-ME [Junqueira Freire] Arda de raiva contra mim a intriga, Morra de dor a inveja insaciável; Destile seu veneno detestável A vil calúnia, pérfida, inimiga. Una-se todo em traiçoeira liga Contra mim só o mundo miserável; Alimente por mim ódio entranhável O coração da terra que me abriga. Sei rir-me da vaidade dos humanos; Sei desprezar um nome não preciso; Sei insultar uns cálculos insanos. Durmo feliz sobre o suave riso De uns lábios de mulher, gentis, ufanos; E o mais que os homens dão, desprezo e piso. A POESIA [Luís Delfino] O que é poesia, Helena? O céu invade, E tudo une e desune e tudo enfeixa; E tudo mete em sonorosa endeixa, E tudo quanto foi, e inda ser há de. É a voz de Deus, o som da tempestade: Dá músicas ao mar, amor à queixa: E ela em seu manto embrulha os sóis, e deixa A ira enleá-la, e é cheia de bondade. Embala o berço, e faz dançar a boda: Mesmo ao trágico empresta os seus encantos: Dá voz sublime à ventania douda. É de existência dor, sorriso, prantos: E a grande, a rica natureza toda Luz, freme, goza, sofre, haure em seus cantos... PASTORAL AO PIANO [Mário de Artagão] Para evocar na pastoral radiosa O sonho mais azul do teu passado, Deixas correr, benditas, no teclado, As tuas mãos de mística amorosa... Na meia-luz da sala cor-de-rosa Tudo é perfume. E, eu mesmo, alucinado, Aspiro o feno tônico e sagrado Dessa tranqüila página saudosa. Tudo é perfume. E bíblicas, noivando, Alígeras, inquietas, sem repouso, Como se andassem lírios esfolhando, As tuas lindas mãos sutis e francas Lembram no vôo trêmulo e nervoso Um par febril de borboletas brancas! FESTA DA VIDA [Mário Linhares] Simplifica, a sorrir, tua existência, Vê, em tudo, um motivo de alegria, E, assim, na paz de tua consciência, Faze da Fé teu pão de cada dia! E conserva em perpétua adolescência, Num halo de esplendor e de harmonia, Teu coração e tua inteligência, Dentro do sonho excelso que te guia. Homem! Repara como à luz da aurora, Na aleluia sem par da Natureza, Tudo, em redor, de júbilo se enflora! Sim, tudo nos desperta e nos convida Para o Bem, para a Luz, para a Beleza Da grande festa espiritual da Vida! DOR SUPREMA [Mário Pederneiras] Que esta Suprema Dor que minh'Alma envelhece, Que tanto me acabrunha e tanto desalenta, Que repele a Ilusão, como o Sonho afugenta, Que não cede ao clamor, como não cede à prece; Que esta Suprema Dor que me prende e acorrenta À mágoa de esperar o que nunca aparece, Que se entranha na Vida e se alarga e que cresce E de encontro à Alegria em lágrimas rebenta, Seja o meu calmo abrigo, o meu sereno asilo Onde minh'Alma vá, toda branca e alquebrada, Pedir o Pouso e a Paz para um viver tranqüilo. E que exsurja da Treva em que agora ando imerso, Para eterna viver aqui marmorizada Na tristeza imortal da Lágrima e do Verso. OÁSIS [Modesto de Abreu] Por adustos areais, em longas caminhadas, Marcha o viandante, avança e, morto de fadiga, De quando em quando encontra um pouso em que se abriga Para recuperar as forças esgotadas. Como o beduíno errante, eu também, pela intriga Da vida a fora, encontro, a espaços, nas estradas, Refúgios ideais, venturas não sonhadas, Na fraterna afeição de uma alma pura e amiga. Então, como o beduíno errante do deserto, Que ditoso bendiz o oásis entreaberto, Eu mil vezes bendigo essa felicidade. Eu vos bendigo sempre, almas nobres, serenas, Que no mundo semeais venturas a mãos plenas, Pondo no meu deserto oásis de bondade! PERENE VERDADE [Moniz Barreto] Morre no prado a flor; a ave nos ares Ao tiro morre do arcabuz certeiro; Morre do dia o esplêndido luzeiro; Morrem as vagas nos quietos mares; Morrem os gostos, morrem os pesares; Morre oculto na terra o vil dinheiro; De encontro ao peito, que as ampara inteiro, Morrem as setas dos cruéis azares; Morre a luz; morre o amor; morre a beldade; Na virgem morre a cândida inocência; Morre a pompa, o poder, morre a amizade. É de morte sinônimo a existência; No mundo é só perene a sã verdade; Só não morre a virtude, a inteligência. CONSOLAÇÃO [Olavo Bilac] Penso às vezes nos sonhos, nos amores, Que inflamei à distância pelo espaço; Penso nas ilusões do meu regaço Levadas pelo vento a alheias dores... Penso na multidão dos sofredores, Que uma bênção tiveram do meu braço: Talvez algum repouso ao seu cansaço, Talvez ao seu deserto algumas flores... Penso nas amizades sem raízes, Nos afetos anônimos, dispersos, Que tenho sob os céus de outros países... Penso neste milagre dos meus versos: Um pouco de modéstia aos mais felizes, Um pouco de bondade aos mais perversos... ESFERA DE CRISTAL [Olavo Dantas] Do teu amor bem sei só a lembrança Posso guardar como um ditoso alento, Pois adorar alguém sem esperança É o eterno prazer no sofrimento. Meu poema de amor e sentimento Componho com a alegria da criança Que não sabe que o mundo é só tormento E o bem que mais se quer menos se alcança. Mas se algum dia, festival, risonho, Realizar-se o milagre do meu sonho, Pensarei recompor o Paraíso. Igual a um semi-deus, hei de encontrar As delícias da terra em teu sorriso, As doçuras do céu em teu olhar... A ALEGRIA DE VIVER! [Olegário Mariano] Para a alegria de viver nada nos falta: Sol, natureza clara e sinos a tocar, Nuvens imateriais na montanha mais alta, Ondas desenrolando a planura do mar; O céu tranqüilo e azul que a madrugada esmalta, O alvoroço de amor de ninhos soltos no ar. E a água que da montanha entre begônias salta E, em cambiantes de luz, forma um riacho a cantar. O vento que sussurra, o silêncio que espreita, Vôos de pombas numa apoteose de penas, Tudo em torno de nós é tão puro e tão bom, Que a criatura feliz, em divina colheita, Enche as mãos sem querer... (como as mãos são pequenas!) De perfume, de sol, de cor, de luz, de som. EU [Oliveira Rodrigues] Artista sonho, sofro, amo e padeço, Mas não maldigo a minha condição... Muita vez, de mim mesmo alheio, esqueço Que sou humano e tenho um coração. Amigo tenho o amigo em alto apreço; Trago sempre ao falar-lhe a alma na mão... Para o seu misticismo, em sonho, teço As cortinas liriais da Perfeição. Poeta sou como a abelha em pleno viço: Retiro da alma as emoções impuras E construo, em silêncio, o meu cortiço... Homem reduzo a minha vida em ânsias... Trago na alma o infinito das Alturas, E, no olhar, a seqüência das Distâncias! SEMEADOR DE BEIJOS [Osório Dutra] Fiz do amor minha prece delirante E da mulher a imagem do meu culto: Lembrando aquelas de que fui amante, Calo seus nomes, mas, fremente, exulto. Bem no fundo do peito é que sepulto As ilusões e as queixas de um instante. Pecador indomável, nunca insulto A primavera que já vai distante. Sentindo a flama quase adormecida, Apelo para uma última vitória, E ardo e palpito em sonhos e lampejos. Amei. Gozei todo o esplendor da vida, E fui na terra, para minha glória, Um opulento semeador de beijos! NÃO COMEREI DA ALFACE A VERDE PÉTALA [Vinicius de Moraes] Não comerei da alface a verde pétala Nem da cenoura as hóstias desbotadas Deixarei as pastagens às manadas E a quem mais aprouver fazer dieta. Cajus hei de chupar, mangas-espadas Talvez pouco elegantes para um poeta Mas pêras e maçãs, deixo-as ao esteta Que acredita no cromo das saladas. Não nasci ruminante como os bois Nem como os coelhos, roedor; nasci Omnívoro; dêem-me feijão com arroz E um bife, e um queijo forte, e parati E eu morrerei, feliz, do coração De ter vivido sem comer em vão. HORA AFLITA [Virgílio Brígido Filho] Vêm os dias de angústia; os mais amenos Passaram... hoje a sorte que intimida Põe nos meus olhos calmos e serenos Uma ansiedade quase irreprimida. Mas isto passa. Todos mais ou menos Passam por isto: acalma-te, querida! A vida é grande e somos tão pequenos Que encontraremos um lugar na vida. Ah! tu bem sabes! todo o mundo sabe Que é natural que atrás desta parede O pão nos falte e todo o vinho acabe. Tudo nos falta, mas não nos consome, Quem tem água nos olhos não tem sede, Quem tem beijos na boca não tem fome. PLENITUDE [Yolanda Rizzo] Eu quero que a ventura de minha alma Rebente em flores como a primavera! Quero mostrar que a minha vida calma Nem um espinho, ao menos, dilacera. E a minha mão sozinha, aberta, espalma, Toda a ventura que este mundo espera; Ela povoa o Templo de minha alma Feito de sonhos, risos e quimera. Sou feliz! Em meu peito soam guizos, Brilham nos olhos, vivem nos meus risos, Vão repicando pelo sonho meu... Os seus arpejos enchem minha vida, E eu digo, alegre, jovem, fronte erguida, Ninguém no mundo é mais feliz do que eu! O SONETO OTIMISTA
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