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José Paulo Paes da Silva (Taquaritinga SP 1926-1998)
Seus próprios sonetos são escassos e modestos, mas como tradutor recriou
com raro brilho grandes sonetistas, como demonstrado nos tópicos sobre a
TEORIA DO SONETO e sobre O SONETO ERÓTICO. Particularmente preciosa é
sua versão dos SONETOS LUXURIOSOS de Aretino, dos quais vai amostra
abaixo, e nos quais a nota mais curiosa a um observador da poesia
fescenina seria a estranha omissão da felação e do cunilíngua, em favor
da penetração vaginal e anal.
NOVO SONETO QUIXOTESCO O século tombou, madeiro podre, Sobre o teu sonho heróico, sepultando Entre pedra e caliça, as disciplinas Da loucura, do amor, do despropósito. O mundo é mesmo assim, meu cavaleiro De tristonha figura, e há que aceitar A lógica prudente dos alcaides (Ou fingir aceitá-la, pelo menos). Mas teu exemplo fica e é sobre ele Que me debruço agora e me revejo Quixotesco também, saudosamente. Quixotescos nascemos. Certo dia, Viramos bacharéis ou almocreves, E nesse dia, Herói, morres conosco. O GRITO Um tranqüilo riacho suburbano, Uma choupana embaixo de um coqueiro, Uma junta de bois e um carreteiro: Eis o pano de fundo e, contra o pano, Figurantes cavalos, cavaleiros, Ressaltando o motivo soberano, A quem foi reservado o meio plano Onde avulta, solene e sobranceiro. Complete-se a pintura mentalmente Com o grito famoso, postergando Qualquer simbologia irreverente. Nem se indague do artista, casto obreiro Fiel ao mecenato e ao seu comando, Quem o povo, se os bois, se o carreteiro. O SEGUNDO IMPÉRIO Sejamos filosóficos, frugais, Eruditos, ordeiros, recatados, Um casebre, se digno, vale mais Que palácio de alfaias atestado. Sejamos sobretudo liberais E, ao figurino inglês afeiçoados, Tolerantes, medíocres, legais, Por jeito d'alma e por razões de Estado. Sejamos, na cozinha, escravocratas, Mas abolicionistas de salão: A dubiedade é-nos virtude grata. Com ela se garante bom quinhão Dessa imortalidade compulsória Que é justiça de Deus na voz da História. SONETO QUIXOTESCO Uma espada qualquer, de qualquer aço, Um cavalo de flanco palpitante, Fortuna incerta, divagar constante, Sereno o rosto, sempre altivo o braço. No coração, em mui secreto espaço, A figura de Dora, tão distante, Mas tão perto, contudo, e tão reinante, Que a ela se dedique o menor passo. Desfeito o agravo, conjurado o mal, Novo caminho, que neste exercício Nenhum descanso cabe. E que afinal, Por luta valerosa ou alto feito, Eu ganhe reino e Dora, mas no peito Morem saudades do passado ofício. O ALUNO São meus todos os versos já cantados: A flor, a rua, as músicas da infância, O líquido momento e os azulados Horizontes perdidos na distância. Intacto me revejo nos mil lados De um só poema. Nas lâminas da estância, Circulam as memórias e a substância De palavras, de gestos isolados. São meus também os líricos sapatos De Rimbaud, e no fundo dos meus atos Canta a doçura triste de Bandeira. Drummond me empresta sempre o seu bigode. Com Neruda, meu pobre verso explode E as borboletas dançam na algibeira. Abaixo, três exemplos de Aretino, cujos sonetos são acrescidos dum terceiro terceto ou estrambote (donde o adjetivo "estrambótico" para qualificar algo estranho ou esquisito, dado que tal estrofe adicional parecia desfigurar a estrutura do soneto): SONETO 5 Põe-me um dedo no cu, velho pimpão, Mete-lhe dentro o pau, mas sem afogo; Levanta bem a perna, faz bom jogo, Depois mexe, mas sem repetição. Por minha fé, isto é melhor ração Do que pão com alho e óleo junto ao fogo; Se a cona te desgosta, muda logo. Há homem que não seja um mau vilão? Na cona hei de foder-te boa data De vezes, pois em cona ou cu entrando, O pau faz-me feliz e a ti beata. Quem quer ser mestre é louco e é tolo quando Por alheios prazeres malbarata O tempo em que devia estar trepando. Pois finda-te, esperando Num palácio, que o tal morra, senhor Cortesão, que eu sacio meu ardor. SONETO 10 Eu o quero no cu. Mulher, tu me hás De perdoar se evito tal pecado, Pois isso é iguaria de prelado A quem já outro gosto não compraz. Vai, mete-o aqui. Não. Sim, fa-lo-ás, Porque não se usa mais deste outro lado, "Id est" em cona; agora, mais agrado Que na frente o caralho faz atrás. Eu convosco me quero aconselhar; Este caralho é vosso e se ele tanto Vos deleita, só tendes que ordenar. Eu o aceito, é meu; mete-o de canto, Mais alto, e fundo, vai sem cuspinhar, Oh, caralho leal, caralho santo! Pois tomai-o quanto Vos praza. Dentro ansiei por o acolher; Se aqui ficasse um ano, que prazer! SONETO 17 Fica quieto, meu velho, sobrestá. Enfia, mestre meu, enfia até O cabo, dá-me a língua, eu morro, olé! Teu caralho à minha alma chegará. Senhora, agora mesmo ele entrará Todo em vós; sobre a terra ponde o pé. Bom serviço será, por minha fé, Este que ora faremos. Vamos lá. De satisfeito, vou e volto, vou E volto. Faz o mesmo: mexe e sua. Mamãe! bem perto de acabar estou. Não acabes, contém a pressa tua. Tal doçura esta foda me brindou Que anseio por que nunca se conclua. Eis, Madona, e u'a Mercê a de acabar fazei por mim: Eu acabo e tu não? Senhora, sim.
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