Alguns sonetos parecem ter sido compostos sob encomenda para uma aula de educação moral e cívica (ou seja lá que nome tenha a disciplina ufanista oficial nos currículos), mas o poeta mais inquieto sempre acha uma brecha para apontar um senão enquanto se orgulha do torrão natal ou exorta seus concidadãos a defender a honra nacional. Nos casos em que a postura do sonetista está mais para crítica que cívica, recomendo uma visita à página O SONETO POLÍTICO ou, mais descontraidamente, à página O SONETO SATÍRICO. Aqui a seleção pressupõe que o autor renda algum tributo à nacionalidade e a suas raízes culturais, pouco importando se exagera ou não na grandiloqüência ou na louvação. [GM] 13 DE MAIO DE 1888 [Afonso Celso] Princesa, em vossa mão de aristocrata, Mão de criança, melindrosa e fina, Estua a intrepidez adamantina Que dos heróis a fábula relata. Bendita mão! Angélica, arrebata A infância escrava às garras da rapina, E a luminosa lei que ela hoje assina Raça inteira de míseros resgata. Ante iminentes, pavorosas crises, Na redentora mão dos infelizes Não sei se o cetro ficará, ou não: Mas da história no intérmino cortejo, Das gerações o reverente beijo Sempre tereis, Princesa, n'essa mão! A ESCOLA [Basílio de Magalhães] A Escola é o foco de onde a luz radia, A luz, que aclara os tempos e as nações; Ora é luz que descanta, é cotovia; Ora é centelha de revoluções! Por onde é que o soldado balbucia O nome Pátria, que enche os corações? Onde é que nasce o Amor? Onde a Poesia? Onde a mais santa das aspirações? Na Escola irrompe, em solidário afeto, O altruístico e elevado sentimento, Graças ao fogo de paixão repleto, Das lavas do vulcão do entendimento: "É que há mais luz nas letras do alfabeto Que nas constelações do firmamento!" ESPOSA E PÁTRIA [Domingos Martins] Meus ternos pensamentos, que sagrados Me fostes quase a par da liberdade! Em vós não tem poder a iniqüidade: Eia! à esposa voai, narrai meus fados! Dizei-lhe que nos transes apertados, Ao passar desta vida à eternidade, Ela da alma reinava na metade E com a pátria partia-lhe os cuidados. A pátria foi o meu Nume primeiro, A esposa depois o mais querido Objeto do desvelo verdadeiro. E na morte, entre ambas repartido, Será de uma o suspiro derradeiro, Será da outra o último gemido. 7 DE SETEMBRO [Félix da Cunha] Silêncio!... não turbeis na paz da morte, Os manes que o Brasil quase esquecia!... É tarde!... eis que espedaça a lousa fria, De um vulto venerando o braço forte! Surgiu!... a majestade traz no porte, O astro da glória a fronte lhe irradia... Oh! grande Andrada, adivinhaste o dia, Vem juntar aos da pátria o teu transporte! Recua?! não se apressa a vir saudá-la, Cobre a fronte brilhante de heroísmo? E soluça...? o que tem?... Ei-lo que fala: "Oh! pátria, que eu salvei do despotismo! Só vejo a corrupção que te avassala, Não te conheço!..." E se afundou no abismo!... VOZ ETERNA [Filinto de Almeida] Sábio Mestre dos mestres, impoluto, Santificado pelo sofrimento; Marinheiro, soldado resoluto, Poeta do espírito e do sentimento. Leio alto os teus versos e ouço e escuto A tua própria voz, lançada ao vento Da pátria, como altíssimo tributo Que à Ingratidão pagasse o Pensamento. Mas volveram-se os séculos, e agora São duas pátrias que te estão pagando, Em tributos mais altos e profundos, O que devem à imensa voz canora, Que ficou para sempre ressoando Nas terras e nos mares de dois mundos. SONETO 240 BARROCONCRETO [Glauco Mattoso] Silvícolas cultivam terra aguada. Ar puro, mar azul, fartura quente. O verde acolhe os olhos e, silente, desdobra-se na sílaba molhada. A mata a vaga alaga, e lá se nada. Na grota sobra a luz sobrevivente. Da guerra brota a cruz da nossa gente. Brasil, assim a missa sela e brada. Semeia o grão, a prole, até a colheita. Rebanhos cria, acorda proletário. Saqueia, pilha e dorme. Come e deita. Nascente, o afluente, o tributário. O rio poluído, a paz suspeita. O traço de Brasília, agreste aquário. O GRITO [José Paulo Paes] Um tranqüilo riacho suburbano, Uma choupana embaixo de um coqueiro, Uma junta de bois e um carreteiro: Eis o pano de fundo e, contra o pano, Figurantes cavalos, cavaleiros, Ressaltando o motivo soberano, A quem foi reservado o meio plano Onde avulta, solene e sobranceiro. Complete-se a pintura mentalmente Com o grito famoso, postergando Qualquer simbologia irreverente. Nem se indague do artista, casto obreiro Fiel ao mecenato e ao seu comando, Quem o povo, se os bois, se o carreteiro. PRIMEIRA MISSA NO BRASIL (a Vítor Meireles) [Luís Delfino] Céu transparente, azul, profundo, luminoso; Montanhas longe, encima, à esquerda, empoeiradas De luz úmida e branca; o oceano majestoso À direita, em miniatura; as vagas aniladas Coalham naus de Cabral; mexem-se inda ancoradas; A praia encurva o colo ardente e gracioso; Fulge a concha na areia a cintilar; grupadas As piteiras em flor dão ao quadro um repouso. Serpeja a liana a rir; a mata se condensa, Cai no meio da tela: um povo estranho a eriça; Sobre o altar tosco pau ergue-se em cruz imensa. Da armada a gente ajoelha; a luz golfa maciça Sobre a clareira; e um frade, ao ar, que a selva incensa, Nas terras do Brasil reza a primeira missa. BRASIL! [Martins Fontes] Brasil! palavra mágica! Quem há Que o não evoque, ouvindo-a? Mas quem é Que não se abrasa de esperança e fé, Ante esta voz que o sonho acordará? Em Brasil há o sabor do cambucá, Do caju, do ananás ou do café, O cheiro dos jasmins no Sumaré, Das mangas fulvas de Itamaracá! Brasil! brasume irial, nome rubi! Tão perfumado quanto o bacuri, Quanto a gardênia do Caparaó! Brasil! se és beijo, flor e fruto és tu! Vergel que o ouro do sol transmuda em pó, E onde canta ao luar o irapuru! FILHOS DA PÁTRIA [Natividade Saldanha] Filhos da Pátria, jovens Brasileiros, Que as bandeiras seguis do Márcio Nume, Lembrem-vos Guararapes, e esse cume, Onde brilharam Dias e Negreiros, Lembrem-vos esses golpes tão certeiros, Que às mais cultas Nações deram ciúme, Seu exemplo segui, segui seu lume Filhos da Pátria, jovens Brasileiros. Esses, que alvejam campos, níveos ossos Dando a vida por vós constante e forte, Inda se prezam de chamar-se nossos; Ao fiel cidadão prospera a sorte, Sejam iguais aos seus feitos os vossos: Imitai vossos Pais até na morte. O BRASIL [Olavo Bilac] Pára! Uma terra nova ao teu olhar fulgura! Detém-te! Aqui, de encontro a verdejantes plagas, Em carícias se muda a inclemência das vagas... Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura! Treme-te a voz afeita às blasfêmias e às pragas, Ó nauta! Olha-a, de pé, virgem morena e pura, Que aos teus beijos entrega, em plena formosura, Os dois seios que, ardendo em desejos, afagas... Beija-a! O sol tropical deu-lhe à pele doirada O barulho do ninho, o perfume da rosa, A frescura do rio, o esplendor da alvorada... Beija-a! é a mais bela flor da Natureza inteira! E farta-te de amor nessa carne cheirosa, Ó desvirginador da Terra Brasileira! PÁTRIA [Olavo Bilac] Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde Circulo! e sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho! E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde, E subo do teu cerne ao céu de galho em galho! Dos teus líquens, dos teus cipós, da tua fronde, Do ninho que gorjeia em teu doce agasalho, Do fruto a amadurar que em teu seio se esconde, De ti, rebento em luz e em cânticos me espalho! Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes, No alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto! E eu, morto, sendo tu cheia de cicatrizes, Tu golpeada e insultada, eu tremerei sepulto: E os meus ossos no chão, como as tuas raízes, Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto! TERRAS DO BRASIL [Pedro de Alcântara] Espavorida agita-se a criança De noturnos fantasmas com receio, Mas, se abrigo lhe dá materno seio, Fecha os doridos olhos e descansa. Perdida é para mim toda esperança De volver ao Brasil; de lá me veio Um pugilo de terra, e nesta, creio, Brando será meu sono e sem tardança. Qual o infante a dormir em peito amigo Tristes sombras varrendo da Memória, Ó doce Pátria, sonharei contigo! E entre visões de Paz, de Luz, de Glória, Sereno aguardarei, no meu jazigo, A Justiça de Deus na voz da História! SONETO DAS ENTRADAS [Pedro Xisto] Da terra dos palmares rompe as barras verdes (entreluzindo, um ouro puro...) ó Luso que, do sonho sob as garras, proa trouxeste contra todo escuro. À tua espera vês porto seguro; e a nau, senão teu peito, logo amarras. alto, o cruzeiro queres; largo, o muro; longo, o beiral em ninhos e guitarras. À lua cheia, tens lençóis macios, de que despertes bem com os estios quando se avulta a pátria nova, estuante. Os sete mares, troca pelos rios sem conta nem medida. E corre, adiante, ao chamado da terra, ó bandeirante! TERRA DE SANTA CRUZ [Rosalina Coelho Lisboa] Rendilhada de luar, para a glória da vida, Num fausto sem igual, abrindo o seio em flor, De tesouros pejada, ante o descobridor Uma ignota região jazia adormecida... E o estrangeiro indagava, em sua alma atrevida, Que força arrancaria a riqueza e o esplendor Dessa presa opulenta ao ínclito valor De sua raça, em mil conquistas aguerrida... Mas de mastros heris a rijeza se erguia Para o espaço, onde, em lácteas luzes de alabastro, A pompa milenar das estrelas fulgia. E o olhar do herói seguira a indicação dos mastros: Pátria, no alto, abençoando esta terra bravia, Deus velava, na cruz de Cristo aberta em astros!... O SONETO PATRIÓTICO
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