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José Peixoto Júnior
O contista cearense (ou pernambucano, dependendo da banda donde o cabra
observa) notabiliza-se também como poeta ao celebrar a interestadual
Serra do Araripe na coroa de sonetos abaixo, cujo décimo-quinto é
acróstico:
COROA DE SONETOS aos poetas José Geraldo Henriques do Cerro Azul Anderson Braga Horta I ENCIUMADO, TALVEZ, COMIGO, AGORA, O horizonte envolvente, distanciado, Alegrou-se ao saber que fui embora Ignorando, isto sim, quão tenho amado. Vivendo ausente, no meu peito mora a Saudade que me tem espezinhado, Canções a amada faço toda hora, O que é próprio de alguém apaixonado. Ei-la viçosa, bela, sobranceira, Expondo a chã esparsa, sinuosa, Chã alcançada apenas por ladeira. Ladeiras construídas de nesgueia Na doçura climática alterosa, Doçura que ora canto e decantei-a. II Doçura que ora canto e decantei-a PASMO POR CONTORNAR A TUA IMAGEM Estirada no chão macio de areia Avistada de longe, na estiagem. Teu planalto é terreno de mão cheia Pra cultivo de fruta, raiz, vagem, Mesmo nos anos que a seca campeia Resistes, muito bem, à estiagem. O precioso líquido retido Nas chuvas de inverno ou do verão É, nos teus pés de serra, distribuído. E rega o solo que se revigora E produz, e dá frutos, e o sertão Recebe tua influência toda hora. III Recebe tua influência toda hora, Pois dás ao Cariri toda riqueza. INTÉRMINO O HORIZONTE TE NAMORA Apaixonado pela tua beleza. De clima especial e própria a flora Prendou-te, com esmero, a natureza: És a primeira às luzes da aurora E última à luz do sol poente acesa. Altaneira, dominas SOBRE O MUNDO Ao sol e ao luar, à brisa e ao vento, Envolvida nesse ar azul profundo. Guardo-te na Memória dos Amores, Tenho-te na lembrança e me contento Aspirando, na mente, os teus odores. IV Aspirando, na mente, os teus odores Odores do "carrasco" e do "agreste", As abelhas procuram as tuas flores RISCANDO, LÁ DE LONGE, O AZUL-CELESTE. Nos teus meles de múltiplos sabores O seu grau de pureza é inconteste, São dos melhores, dizem caçadores, Teu produto abelheiro abole teste. Cessou, infelizmente, em teus "carrascos" A luta do vaqueiro com o gado Que deixava no chão marcas de cascos. É que o tanger do gado em vaqueiragem, Na guia, no coice, ou flancos esteirado, Perdeu para a estrada de rodagem. V Perdeu para a estrada de rodagem A cortar teu espaço meio a meio, Mudando, por completo, a tua imagem, Modificando, por inteiro, o meio. ARARIPE, DOMINAS A PAISAGEM, Teu espaço poético louvei-o, Cortaram-te em lenha pra moagem, Acabaram teus campos de rodeio. Há feridas marcadas no teu chão, Quer no "lombo", na "baixa", no "talhado", Tudo por força da devastação. Novidades ameaçam teu terreno: Postes de luz, clareiras, povoado, É um sistema venoso aberto em dreno. VI É um sistema venoso aberto em dreno Levando a massa verde da tua veste, Indício de progresso; esse é o aceno Cuja desfaçatez é inconteste. O teu comportamento tão sereno, RAINHA DAS CHAPADAS DO NORDESTE, Tornou-se conturbado, não mais pleno Do ambiente florestal que tu fizeste. São muitas agressões, a insegurança A pontilhar de mágoas o teu rosto Mostra em ti os sinais de quem se cansa; O vento as tuas matas não assanha, Cai sobre ti tristeza de sol posto E o espaço melancólico se amanha. VII E o espaço melancólico se amanha Na ambiência da Serra entristecida, Quem te viu e te vê por certo estranha Mudanças tão profundas na tua vida. A própria chuva quando vem não ganha Aquela intensidade desmedida, ARMAZENANDO NA TUA VASTA ENTRANHA A cota d'água no chão embebida. Percorro-te voltando à juventude Embrenhando-me no teu corpo verde Para gozar teu clima de altitude; Mudanças afrontaram teu sistema: A flora verdoenga era uma rede, Perdeu a fauna a voz da sariema. VIII Perdeu a fauna a voz da sariema, Pois no meio de gente ela não dura, Perturbado que foi o ecossistema, Ficou difícil a essa criatura. A natureza, por certo, blasfema Diante de tantos atos de loucura, Mas, realiza sua obra suprema: OS PINGOS D'ÁGUA LEVA-OS A FUNDURA. Leva-os pra abastecer mananciais E permanentemente os oferece Em levadas cheias, ricos cabedais. E essa é a água a molhar a terra escura Dos baixios cultivados onde cresce O canavial e sai a rapadura. IX O canavial e sai a rapadura Do lençol verde pé de serra afora, É a contribuição da altiplanura, Aliás, grande, bem maior outrora. Na Serra a chã sem matas não segura As lágrimas do céu, quando o céu chora Sobre o Nordeste seco, há amargura, A água na terra nua vai-se embora. DESCANSA A BAIXA GRANDE; ELA ARREBANHA Água das chuvas, vinda dos dois lombos, Mas, sem poder retê-la, não se entranha; Rola, saracoteia em bailarico, Desce a procura dos rios, sob ribombos: Itaim, Jaguaribe e Velho Chico. X Itaim, Jaguaribe e Velho Chico, Houve troca de língua com a Serra, Ocorreu, envolvendo-os, um fuxico: O braço de um até ela, sob a terra. Tem significação de namorico, Já dura essa alusão e não se encerra, Deve ter sido coisa do Futrico Tentando transformar amor em guerra. A natureza é sábia, ela acomoda ACAMADA NO MEIO DA PLANURA O formoso da Serra, e tudo à roda Gira nessa harmonia que a natureza Ali depôs, e que a mesma natura Enfeita, realçando-lhe a beleza. XI Enfeita, realçando-lhe a beleza, Emprestando, também, notoriedade, Pois teu solo, ao teu pé, mantém-na acesa Com os fósseis. A fama já se evade. A ciência apresenta e dá certeza De vida ali na mais recuada idade; Conta milhões de anos, que beleza!... Antecede o viver da humanidade. Ela mesma, no teu solo, escava e ganha Formas fossilizadas. Fulgurando RÉSTIA DE SOL, NO ORVALHO QUE TE BANHA. O teu passado, oh Serra, o presente anda Em busca. Há vestígios desde quando O mar cobria o mundo desta banda. XII O mar cobria o mundo desta banda. A paleontologia revela ufana Amparada em estudos que comanda Junto aos museus de Crato e de Santana. Ocorrem discussões: quem é que manda? Tu, vestindo o organdi da cruviana, Ou os ditos fósseis cuja propaganda Ameaça ofuscar face serrana?! Não me importa, moras aqui dentro, Bato no peito, há sons de tempos idos, Empurro a porta da saudade e entro. RESVALANDO NAS FOLHAS, SE PENDURA, Entre sonhos agora amortecidos, Porém não mortos para sepultura. XIII Porém não mortos para sepultura Sob essa imensa pedra sepulcral, Vastidão de chapada nessa altura Sem parte da beleza original. Emoldurando a mágoa que me fura Com a rudeza férrea do punhal, Enxergo num crescente de figura O teu encanto de cartão-postal. Parece adoração de Animismo A devoção por ti, que me acompanha; Algo que fantasio, divago, cismo Preso na fixidez do clima que ENVOLVE ESSE TEU CORPO DE MONTANHA E me deixa perdido por você. XIV E me deixa perdido por você! Aliás, quando menino me perdi Num de teus campos. Dava pena vê Todo meu aperreio, sozinho, ali. Depois, foi embrenhar-me, andar, correr Mato adentro e na busca do pequi. Hoje, é ter-te n'alma por buquê, Moldura ornamental do Cariri! Finalmente, Araripe, alçando vôo Sobre a imensa amplidão na asa do verso, Aqui, solenemente, eu te corôo. Recebe esta coroa, te assegura O poeta inflamado e incontroverso: SERRA ARARIPE, QUANTO DE TERNURA!... XV Serra Araripe, quanto de ternura Envolve esse teu corpo de montanha; Resvalando nas folhas se pendura Réstia de sol no orvalho que te banha. Acamada no meio da planura Descansa a Baixa grande; ela arrebanha Os pingos d'água e leva-os a fundura Armazenando-os na tua vasta entranha. Rainha das chapadas do Nordeste! Araripe, dominas a paisagem Riscando, lá de longe, o azul celeste. Intérmino, o horizonte te namora... Pasmo por envolver a tua imagem, Enciumado talvez, comigo, agora. De minha parte, dediquei a Peixoto Jr. a coroa abaixo, com que celebro, não uma paragem, mas uma paladaragem, imagem mais viva na sensibilidade saudosa dum cego: "CATORZE QUEIJOS" coroa de sonetos dedicada a José Peixoto Júnior e Tadeu Dias SONETO 551 ALARMADO SE O ESTÔMAGO DUM BRIE NÃO DER O ALARME a fome se contenta com Romeu, o velho Queijo Fresco do qual eu, por Julieta, de Amante vou chamar-me. Cantar queijos não faz com que me arme de heróicos mitos, pois não sou Teseu, Ulisses, Baco, Vasco, nem quem deu aos Lusos Versos temas com mais charme. Em casa (de pequeno lembro bem), de Minas vinha o queijo que comigo no pão levava à escola, e que inda vem à mente, quando às vezes, por castigo, sem lanche me deixava certo Alguém que tanto era chegado ou inimigo... SONETO 552 CHEGADO Que tanto era chegado ou inimigo, OUTRO QUE ENCANTA É O CHEDDAR, QUE SE ARROTA vantagem, quando, em mãos dum mais janota, inveja provocava aos que consigo na classe conviviam. "Nem te ligo!", dizia eu. Por fora ninguém nota; por dentro era com gosto de derrota que eu cobiçava o Cheddar, qual mendigo. Não era só com queijo que o posudo vivia se exibindo ante os colegas: seu tênis, seu cabelo, nele tudo dourava que nem ouro! Nós, os bregas, com nosso queijo branco e um rancor mudo, um dia nos vingamos desse Degas! SONETO 553 VINGADO Um dia nos vingamos desse Degas, jurávamos. Raquítico e sem charme, JAMAIS, SE GORDO UM GOUDA, VOU QUEIXAR-ME do lanche oferecido por colegas. Na troca de sandubas, sobre pegas ficamos conspirando. Vem chamar-me o Gordo à trama contra o Loiro, e marme- lada e fel partilhamos meio às cegas. Ficamos combinados de emboscá-lo na hora da saída. Eis a patota: o Gordo, o Prancha e eu mesmo. No intervalo os planos recheamos de lorota: de quatro o pôr, montar nele a cavalo, fazê-lo água pedir e lamber bota! SONETO 554 AGUADO Fazê-lo água pedir e lamber bota: este é o sabor que da desforra o pomo queremos degustar, tão certo como IMPÕE A MOZZARELLA À PIZZA A COTA! O Loiro, ao ser cercado, não denota aquele ar petulante. Num assomo de raiva, seu gibi das mãos lhe tomo. Dos meus cupinchas ouve-se a risota. Depois dalguns sopapos, seu cabelo já não é todo loiro, pois um carme- sim de sangue nos abre o riso ao vê-lo! Até que o sarro farto nos desarme, desfruto de seu rosto, ali, amarelo, tal como um Cheddar, lúbrico, a tentar-me! SONETO 555 TENTADO Tal como um Cheddar, lúbrico, a tentar-me, também das menininhas o diário deixava, quando entrei no secundário, minha curiosidade a espicaçar-me. EMMENTAL NOS BURACOS TEM SEU CHARME e as lindas garotinhas têm seu vário estoque de atrativos, mas o otário aqui supõe sabores que, qual Parme- sãos picantes, podiam ver-se escritos nas páginas secretas dum daqueles livrinhos femininos manuscritos! Com capas imitando couro ou peles de cobra, os tais cadernos interditos faziam-me ansiar por ler um deles! SONETO 556 ANSIADO Faziam-me ansiar por ler um deles detalhes do erotismo que a devota autora segredava em cada nota, por mais banal que fosse, por mais reles! "Ah! Tu, que meu desejo impuro impeles! UM 'RAVIOLI' É MAIS RICO COM RICOTA e o delírio dum jovem, ó garota, enquanto teus mistérios não reveles!" Assim no meu diário eu escrevia tentando arremedar outros cadernos até que a grande chance surge um dia: Num ímpeto instigado dos infernos, furtei, como os punguistas, o da Bia no gesto em que ninguém consegue ver-nos! SONETO 557 GESTICULADO No gesto em que ninguém consegue ver-nos, trancado no banheiro, inda na escola, começo a folhear o que me assola no cérebro os instintos mais internos... Supus achar na Bia o que os modernos tiveram no Oswaldão: fértil cachola, QUALQUER FEIÇÃO DE ZÃO POSPOSTA À COLA de sórdidos e obscenos desgovernos! Qual nada! A tal da Bia pouco tinha de esperta, e nela a ingênua natureza nem sonha uma libido como a minha! Em vez da sacanagem, da torpeza, apenas li "ciranda, cirandinha"... À espera era dum príncipe a princesa! SONETO 558 ESPERADO À espera era dum príncipe a princesa, mas eu, devasso e virgem, não me vejo com sangue azul nem faixa azul no queijo: não tenho, pois, temperos de nobreza... Se não servia a Bia, com certeza alguma outra menina, em tendo ensejo, a boca irá provar que, por um beijo, ESCAPA AO PARMESÃO QUE A TEM MAIS PRESA. Com medo de ser pego no flagrante, não tento mais furtar, mas aproveito descuidos para um gesto mais galante: Bilhetinhos anônimos, com jeito, escondo no diário da estudante e, ao vê-la abrindo e lendo, me deleito... SONETO 559 DELEITADO Ao vê-la abrindo e lendo, me deleito: Letícia era seu nome, e este pateta chamou-a de "alegria do poeta" no insosso sonetão que tinha feito. Se não existe fama sem proveito e se ninguém tem tudo que projeta, não conquistei Letícia, minha meta, mas, sem querer, logrei um outro feito... ZINHO É GRAU QUE, POR FORÇA DA ASPEREZA, a muitos soará pejorativo, mas nisto a vaidade sai ilesa: Letícia espalhará o diminutivo de "Camõezinho", glória que está presa a meu nome até hoje, e com motivo! SONETO 560 MOTIVADO A meu nome até hoje, e com motivo, de bardo e de bastardo se atribui até reputação do que não fui quase dum procurado morto ou vivo! Nem oito, nem oitenta: nem passivo nem fera; nem Acácio, nem um Rui; apenas um menino um tanto sui generis fui naquele ano letivo. Poeta me assumi, já com orgulho: ROQUEFORT É, MAIS FORTE, UM GORGONZOLA; mais alto agora às pombas eu arrulho! Assim, quando por fim deixei a escola, na faculdade já, e antes de julho, de fama e casa nova estou gabola! SONETO 561 AFAMADO De fama e Casanova estou gabola: Em maio, mês de noivos, já jantava com Marta, talvez sétima ou oitava daquelas namoradas na sacola! A quarta fora a Carmen, a espanhola que só "jamón" queria e detestava meus queijos: eis por que mandei-a à fava! A Linda foi a quinta a me dar bola: Como se eu fosse um Beatle na gaiola, cobrava-me "All my loving" e, de quebra, O PRATO, O PROVOLONE, O QUEIJO-BOLA. A sexta era oriunda de Genebra e com Catupirys não se consola: meus versos com "fondues" ela celebra! SONETO 562 CELEBRADO Meus versos com "fondues" ela celebra, me funde cuca e bolso, e logo a deixo. Da próxima, coitada, não me queixo pois não me cobra "Peppers" nem me quebra. Amélia era modesta, casta e bra- sileira mesmo, e quase com desleixo teria, indiferente, um queijo, um gueixo, um tigre, um carneirinho ou uma zebra... Tamanha submissão logo me farta: descarto Amélia e sinto mais firmeza na feminilidade duma Marta! TEM MAIS ASSIDUIDADE EM MINHA MESA e nada em minha cama ela descarta: quer queijo do antepasto à sobremesa! SONETO 563 TEORIZADO Quer queijo do antepasto à sobremesa meu vício: novas musas tenho em bando e em vias laticínias vou passando as férias, o semestre... Até na empresa onde trampei, do refeitório à mesa, não deixo passar queijo nem quejando, e, tantas funcionárias namorando, teria de encontrar a japonesa! Kazuko, vulgo Sylvia, de indefesa tem só seu jeito tímido e, de fato, se não chega a cereja, é framboesa... Conhece, ao restaurante, cada prato: A LÍNGUA, NA PRONÚNCIA OU NA SURPRESA, adoça o tom do bom falante nato. SONETO 564 PRATICADO Adoça o tom do bom falante nato o acento sensual daquela gueixa que me arregala os olhos e que deixa salgada a água na boca deste rato. Por queijo, até Tofu topo num trato na hora em que o critério em mim desleixa, se, em bônus, troco um pêssego, uma ameixa por nacos do Mineiro mais barato! Não sou bicho que prende nem que preda: libero cedo a Sylvia, que me amola. Por fêmea é só delírio minha queda! Platônica ou nipônica, se evola, enquanto um forte ou fresco é o que me enreda, CAMEMBERT OU GRUYÈRE É O QUE ME ENROLA! SONETO 565 FORMÁGICO Camembert ou Gruyère é o que me enrola A língua, na pronúncia ou na surpresa. Têm mais assiduidade em minha mesa O Prato, o Provolone, o Queijo-Bola. Roquefort é, mais forte, um Gorgonzola; Zinho é grau que, por força da aspereza, Escapa ao Parmesão, que mais tem presa Qualquer feição de Zão posposta à cola. Um "ravioli" é mais rico com Ricota; Emmental nos buracos tem seu charme; Impõe a Mozzarella à pizza a cota. Jamais, se gordo o Gouda, vou queixar-me: Outro que encanta é o Cheddar, que se arrota Se o estômago dum Brie não der o alarme!
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