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Laurindo José da Silva Rabelo (Rio de Janeiro RJ 1826-1864)
O crioulo magrela que apelidado de Poeta Lagartixa e revoltado contra
o preconceito que o perseguia na Corte abandonara carreiras e fora
encontrar na Bahia sua veia satírica sob influência do repentista Moniz
Barreto, deixou, como bom poeta romântico, poucos sonetos, porém típicos
de seus referenciais de glosador bocagiano. Para o leitor que queira
conferir outras facetas da produção "maldita" do Bocage brasileiro,
sugiro a compilação que preparei neste mesmo portal, clicando em:
http://www.elsonfroes.com.br/laurindo.htm
Naquela página o único soneto aludia ao primeiro imperador e aos
políticos contemporâneos nestes termos:
SONETO MONÁRQUICO A fêmea capixaba deu entrada No seu leito ao monarca brasileiro, Que nos gozos de amor, hábil, matreiro, A sujeita deixou logo emprenhada. Um jumento pariu! (Pobre coitada!) Tem do Mattoso o rosto traiçoeiro, Do Monte Alegre as patas, e o traseiro É a cara do Olinda retratada. Tem do Torres a força inteligente, Do Manuel Felizardo a prenda brava, Com que raivoso vinga-se da gente. Quando Jobim, parteiro, o apresentava Todo o povo dizia geralmente Que de tal pai, tal filho se esperava. O soneto acima foi comentado por mim, juntamente com uma glosa (*) do mesmo naipe fescenino, no exemplo abaixo: SONETO 262 A LAURINDO RABELO "Poeta Lagartixa", a alcunha dada ao tipo magricela, grande herdeiro de Gregório, Bocage, e pioneiro da glosa fescenina hoje cantada. "Um jumento pariu! (Pobre coitada!) Tem do Mattoso o rosto traiçoeiro..." Assim Laurindo põe Pedro Primeiro gerando outro bastardo, na piada. O mote "No cu porra não é festa!" glosou com anedota de fanchono. O bardo é mesmo um "caba da mulesta"! O nome do Mattoso é de outro dono: Euzébio. Mas Laurindo um favor presta ao Glauco, que é seu fã. Bença, Patrono!Glauco Mattoso Outros sonetos de Rabelo: HEI-DE, MÁRTIR DE AMOR, MORRER TE AMANDO [mote] O facho do Helesponto apaga o dia, Sem que aos olhos de Hero o sono traga, Que dentro de sua alma não se apaga, O fogo com que o facho se acendia. Aflita o seu Leandro ao mar pedia, Que, abrandado por ela, a prece afaga, E traz-lhe o morto amante numa vaga, (Talvez vaga de amor, inda que fria). Ao vê-lo pasma, e clama num transporte "Leandro!... és morto?!... Que destino infando Te conduz aos meus braços desta sorte?!" Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando Assim termina, já sorvendo a morte) Hei-de, mártir de amor, morrer te amando. É CARPIR, DELIRAR, MORRER POR ELA [mote tirado de Bocage] De uma ingrata em troféu, despedaçado Meu coração devora amor cruento, Trocando em fero e bárbaro tormento Quantos prazeres concedeu-me o fado. No seio d'alma, já dilacerado, Negras fúrias do báratro apascento! Filtra-me o delirante pensamento De zelos negro fel envenenado. Desprezo, ingratidão, fria esquivança Da cruel por quem morro, em tal procela Apagaram-me a estrela da esperança. E eu (ao confessá-lo a dor me gela) Humilhado a seus pés, minha vingança É carpir, delirar, morrer por ela. SONETO DO FADO Geme, geme, mortal infortunado, É fado teu gemer continuamente: Perante as leis do Fado és delinqüente, Sempre tirano algoz terás no Fado Mas, para não ser mais envenenado O fel que essa alma bebe, e o mal que sente, Não te iluda o falaz riso aparente De um futuro de rosas coroado. Só males o presente te afiança: Encrustado de vermes, charco imundo, Se te volve o passado na lembrança. Busca, pois, o da morte ermo profundo: Despedaça a grinalda da esperança: Crava os olhos na campa, e deixa o mundo. A UMA SENHORA Dos meus lares, dos meus que choro ausente, Me vieste acordar saudade impia, Tu, amada do Anjo d'Harmonia, Que te fazes ouvir tão docemente. Do piano o teclado obediente Ao teu tocar encheu-me de magia, E lá dos mortos na solidão sombria Operou-se um milagre de repente. A morte sobre a fouce, entristecida, Amarguradas lágrimas verteu, Talvez do fero ofício arrependida! Bellini do sepulcro a pedra ergueu; E, cheio de alegria desmedida, C'um sorriso de glória um bravo deu. À SRA. MARIETA LANDA Disseste a nota amena d'alegria, E, arrebatado então nesse momento De um doce, divinal contentamento, Eu senti que minh'alma aos céus subia. Disseste a nota da melancolia, Negra nuvem toldou-me o pensamento; Senti que agudo espinho virulento Do coração as fibras me rompia. És anjo ou nume, tu que desta sorte Trazes o peito humano arrebatado Em sucessivo e rápido transporte?! Anjo ou nume não és; mas, se te é dado No canto dar a vida ou dar a morte, Tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado. (**) À MESMA SENHORA Tão doce como o som da doce avena Modulada na clave da saudade; Como a brisa a voar na soledade, Branda, singela, límpida e serena; Ora em notas de gozo, ora de pena, À cheia de solene majestade, Já lânguida exprimindo piedade, Sempre essa voz é bela, sempre amena. Mulher, do canto teu no dom superno A dádiva descubro mais subida Que de um Deus pode dar o amor paterno. E minh'alma, num êxtase embebida, Aos teus lábios deseja um canto eterno, E, só para gozá-lo, eterna a vida. À MESMA SENHORA Alcíone, perdido o esposo amado, Ao céu o esposo sem cessar pedia; Porém as ternas preces surdo ouvia O céu, de seus amores descuidado. Em vão o pranto seu d'alma arrancado Tenta a pedra minar da campa fria; A morte de seu pranto escarnecia, De seu cruel penar se ria o fado. Mas ah! não fora assim, se a voz tivera Tão bela, tão gentil, tão doce e clara, Daquela que hoje neste palco impera. Se assim cantasse, o túmulo abalara Do bem querido; e, branda a morte fera, Vivo o extinto esposo lhe entregara. CONTA E TEMPO Deus pede estrita conta do meu tempo, É forçoso do tempo já dar conta; Mas como dar em tempo tanta conta, Eu que gastei sem conta tanto tempo? Para ter minha conta feita a tempo, Dado me foi bom tempo e não fiz conta. Não quis, sobrando tempo, fazer conta; Quero, hoje, fazer conta e falta tempo. Oh! vós que tendes tempo sem ter conta, Não gasteis esse tempo em passa-tempo: Cuidai enquanto é tempo em fazer conta. Mas, oh! se esses que contam com seu tempo Fizessem desse tempo alguma conta, Não choravam, como eu, o não ter tempo. /// (*) Eis a décima onde a bocagem ganha foros de pioneirismo no trato da temática homossexual na lírica brasílica: MOTE: Porra no cu não é festa. GLOSA: Em noite do Espírito Santo Comia certo fanchono Um sacana de alto abono De uma barraca no canto; Já lhe tinha um tanto ou quanto Entrado do cu na fresta; Troam foguetes... "E esta?" (Diz o puto em repiquetes) "A que vêm estes foguetes? PORRA NO CU NÃO É FESTA!" (**) Mote tirado de Moniz Barreto.
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