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Pedro Carlos da Silva Rabelo (Rio de Janeiro RJ 1868-1905)

Como poeta satírico era considerado "impróprio para moças", mas como sonetista parnasiano é impróprio para moços, dada a complexidade de sua sintaxe e o torcicoloso malabarismo que quase lhe trava a frase. Alguns exemplos mais inteligíveis:


PÁGINA 102

Mágoa horrenda, ânsia horrenda, ciúme horrendo
Esta mísera página continha,
E ela, por lê-la, dos seus olhos vinha,
Vinha um fio de lágrimas descendo.

Esta os seus olhos, que choravam lendo,
Mais do que as outras páginas detinha,
E àquele pranto pela angústia minha
Iam-me os versos desaparecendo...

A sua última lágrima desfê-los...
Hoje, estes mesmos pobres versos choram,
O lugar dos antigos ocupando;

E estes — como os primeiros, que os seus belos,
Seus tristes olhos apagando foram —
Vão-se-me agora aos poucos apagando...


DE LONGE (a João Ribeiro)

No ermo destes aspérrimos lugares
Ânsias sufoco e imprecações rouquenhas,
Porque à toa te peço que te abstenhas
De outros, e venhas aos meus pobres lares.

Os meus pedidos, meus epistolares
Rogos são poucos para que tu venhas;
E entretanto, ao meu lar, entre estas brenhas,
Como seria esplêndido chegares!

Se viesses, dona dos meus pensamentos,
"Eis-me!" dirias, e eu, talvez, diria,
Pálido, ao bosque umbroso e aos céus nevoentos:

— "Qual de vós, plúmbeos céus e bosque umbroso,
Sabe de alguém que neste alegre dia
Seja ditoso como eu sou ditoso?"


PLANOS DE AMOR (a Luís Murat)

Faz-se mister que inda outros planos urdas,
Lúcia... vê bem que me desassossegas!
É preciso que além dos que hoje empregas,
Que outros empregues e que não te aturdas...

Dobra de quantas mil razões alegas...
Faze com que a essas mil razões absurdas
Se sintam todas as pessoas surdas,
Se vejam todas as pessoas cegas.

Há muito quem a tudo quanto dizes
Junta, e a tudo acrescenta o amor em que ardes,
E o sentido das próprias frases trunca...

Vê bem! P'ra que possamos ser felizes,
Faz-se mister que esta sentença guardes:
— Amor não quer que se o descubra nunca!


NA ALAMEDA (a Raul Pompéia)

Noite, e não vens! De súbito, na areia,
Sinto-te os passos... Que mulher afoita!
Vens, e em cada rosal e em cada moita
Como um bando de pássaros gorjeia...

Falas. O atro pavor que em ti se acoita...
Dizes, e partes de terrores cheia...
Logo dentro das tênebras anseia,
Ríspido, o vento e as árvores açoita.

Partes... Pela alameda em sombras, tudo,
Vendo-te, à tua palidez se assombra.
Tremem árvores, cresce-te o receio...

E, atra, a sombra te envolve... E eu, doido, e eu mudo,
Penso: "Por que não hei de ser a sombra,
Para guardá-la dentro do meu seio?"


DISTANTE (a Álvares de Azevedo Sobrinho)

Hoje soluça o vento nas palmeiras
E um gemido das árvores arranca...
Partiu! Corra mais límpida e mais franca
A torrente das lágrimas ligeiras.

Partiu! De longes terras estrangeiras
O bálsamo que as lágrimas estanca,
Traga-m'o a asa tenuíssima, a asa branca
Da mais branca das pombas mensageiras.

Vendo-a, cale-se a dor, vão-se os soluços...
Fique ela só de longes terras vinda
Para o consolo desta soledade,

Fique, e possa eu contar como, de bruços,
Doido, chorei sobre as tuas cartas, e inda
Como punge esta indômita saudade!


POETAS (a Henrique de Magalhães)

São os poetas como os passarinhos;
Cantam, vão pelo azul asas librando...
Uns dos sonhos no azul mágoas cantando,
Outros cantando à beira dos caminhos.

Se de uns o bando vai, sem que os espinhos,
Sinta da terra, amores procurando;
D'outros, quando o crepúsculo chega, o bando
Chega, buscando o doce amor dos ninhos.

Vivem sempre a cantar. Da vida a estrada
Trilha-a, e canta o poeta, ao longe, enquanto
D'aves gorjeia a célere revoada...

E a alma, escutando a música dileta
De ambos, nem sabe qual melhor — se o canto
Da ave, se o doce canto do poeta.


A TEÓFILO BRAGA (pela morte de seus dois filhos)

Se essas que choras, lágrimas ardentes
Todas, pudessem, trêmulas, caindo,
Como um rio formar que fosse o infindo
Rio das dores aos mortais pungentes;

Se outras ardentes lágrimas, partindo
Todas da mesma eterna dor que sentes,
Alto o rio inda mais, como as enchentes
Elevassem-n'o e fossem-n'o impelindo;

Talvez que as águas límpidas passando,
Nelas, da eterna dor que te assassina
Os soluços e as lágrimas passassem;

E os soluços e as lágrimas em bando
Ouvindo, então, chorar, como em surdina,
Talvez que os homens, trêmulos, chorassem...


ROMPIMENTO (a Olavo Bilac)

Certa vez, esperando uma sua carta, e o porto
Vendo e ao longínquo mar coberto de neblinas,
Exclamei: — "Doido amor que em meu peito estas ruínas
Fazes, por que é que os teus fortes laços não corto?"

Nisto, chega a sua carta. Absorto fico; absorto
Penso: — "Que irás dizer, carta que me alucinas?"
Abro-a, e encontro estas vis palavras assassinas:
"Tudo o que houve entre nós de ora em diante está morto."

Ah! pudesse Ela ouvir o meu pranto e o do Oceano...
Cristo no horto — eu também sofro como esse Cristo,
Eu também tenho agora um suplício e o meu horto...

Quanto custa passar do engano ao desengano!
Desgraçado de mim que já nem sei se existo...
Tudo o que houve entre nós de ora em diante está morto!


DEPOIS DE OUVI-LA (a Filinto de Almeida)

Talvez fosse uma cítara... E, entretanto,
Pode ser que uma cítara não fosse.
Que outra um dia escutei que assim me trouxe
Canto como esse dulçoroso canto?

E — ao contrário das cítaras — e tanto
Lamento àquelas notas misturou-se!
Talvez que as cordas, cada qual mais doce,
Todas, umedecessem-n'as de pranto...

Cítara? Certo que nenhuma delas
Tanto assombro causará às pequeninas,
Disseminadas, lúcidas estrelas...

Certo e bem certo, ó tu que me assassinas,
Tu cantavas, sorrindo, uma daquelas
Mais amantes das tuas cavatinas...


TÊNEBRAS (a Aluísio Azevedo)

Porque mais te não vejo, mais te sinto
Perto... Mais perto dos teus olhos ando.
Diz-m'o não sei que delicioso e brando,
Como os vagos instintos, vago instinto.

'Stás perto, sinto-te... E de quando em quando,
"Busca-a!" — manda uma voz. "Busca-a!" Consinto.
E ando de labirinto em labirinto,
Cego, paredes úmidas tateando...

Quem me há de os olhos descerrar? Teus olhos,
Pela doce alegria de trazer-m'os,
Quem m'os há de mostrar nesta ansiedade?

E amontoam-me escolhos sobre escolhos...
— Almas enfermas, corações enfermos,
Qual de vós é que sofre esta saudade?

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes