|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes (Laranjeiras SE 1860-1934)

Tentou cursar medicina e engenharia mas encontrou sua vocação no jornalismo, do qual, metaforicamente, pareceu tirar duas características que se refletiram em sua vida: clichês e tintas, já que virou colecionador de frases feitas e pintor. Didático como historiador e generoso como crítico, como poeta não tem tanto a ensinar nem a ser criticado, pois desempenha seu parnasiano projeto sem maior relevo.


MUSEON (II)

Helés, a formosíssima das gregas,
róseo trecho de mármor sob escombros
dum Panteon que as divindades cegas
soterraram depois de tê-lo aos ombros,

Helés, um dia, sobre a praia chegas...
Inclinam-se extensíssimos os combros
e o vento alarga em frêmitos de assombros
da túnica do mar as verdes pregas.

E tu reinas, tu só! Debalde, vagas
sobre outras vagas se atropelam, correm,
uma por uma, indiferente esmagas:

como as paixões na tua vida ocorrem,
uma e mais outra, nas desertas plagas
chegam e morrem, e chegam e morrem.


MUSEON (VIII)

Foi com esta maçã d'oiro polido
que as ambições movendo de Atalanta,
pôde Hipomenes alcançá-la. E quanta
vitória a essa em tudo parecida!

Ao ideal aspira! à estrela aspira! à vida
aspira ó nada, ó turba agonizante,
ou chores quando a terra alegre cante
ou cantes quando a lágrima vertida

desça-te à boca. E bastaria, apenas,
para galgar essas regiões serenas,
a maçã de Hipomenes, flébil, louro...

E chegarás ao ideal e à vida, o pomo
áureo atirando à própria estrela, como
lá chega a luz — por uma escada de ouro.


MUSEON (X)

Na floresta os crepúsculos eu passo
a flor colhendo e o saboroso fruto.
Ouço um rumor, e cauteloso, astuto
apalpo as folhas estendendo o braço,

Fauno talvez! e horripilado escuto...
Eis quando surge sob um sol escasso
não qual imaginara o deus hirsuto,
mas uma ninfa de ligeiro passo.

Ah não fosse eu mortal e fosse dado
ao humano ser dos deuses o pecado!
Se naquele momento um deus eu fosse,

ao vento a flor e a fruta desprezando,
minha fora esta deusa que é, passando,
mais que a flor, mais que o fruto bela e doce.


NO TEU ANIVERSÁRIO

No lar cercam-te vozes d'alegria
em bando, em nuvens d'oiro, mariposas
que o teu olhar atrai. Canções e rosas
sob os teus pés desfolham-se à porfia.

A noite, alva corbelha de mimosas
sobre ti volta o arcanjo da poesia.
Nublam-te o sono as ondas vaporosas
do turíb'lo do amor, como de dia.

Vives feliz no angélico ambiente
de fortuna, feliz. Mas considera,
que eu um pobre, eu misérrimo, eu doente,

eu vibraria a lira, se pudera
vibrar a lira frágil e inocente
a bruta e hedionda garra duma fera.


MADALENA

"Vós que passais, ó turba renegada,
Olhai-me bem, dizei-me, vós senhores,
Se acaso tendes visto em vossa estrada
Dor que de longe lembre minhas dores.

"Cegos que sois e estúpidos! as flores
Dizem-me ao ver: lá vai a desgraçada! —
Ei-la, a mesquinha! — a vaga diz, lavores
De lenço abrindo, em terra ajoelhado.

"Ide-vos, pois, eterna, indiferente,
Vós me cuspis na frente a injúria e o insulto
Sem reparardes, crua e estranha gente,

"Que entre aromar a flor me fala, e exulto
Ao ver que a própria vaga penitente
Dobra os joelhos me prestando culto."


BOM DIA

— Bons dias! minha pálida vizinha! —
Ah! quantas horas esperei por ela,
Else que ao tempo da alvorada vinha
Toda jasmins e rosas, à janela.

Entanto o sol vai alto e a pobre cela
Onde habito enche d'oiro. Else, a rainha
D'esta riqueza se Else fora minha!
— Bons dias! digo. Que mudez aquela

Na sua casa! Súbito, rangendo,
A ruidosa vidraça rodopia,
Abre-se, a luz em ôndulas sorvendo.

E, tremulenta a face de alegria,
Eu volto o ávido ouvido recolhendo
Melhor que oiro do sol o seu "Bom dia!"


DESPEDIDA

Muito me custa recordar agora
Aquela tarde gélida e sombria
Em que chegando para mim, Maria,
Tu me disseste apenas — Vou-me embora!

— Vai-te, senhora. E, firme, eu retraía
A profunda saudade esmagadora.
Era verdade pois que eu te perdia!
Que, dentro em breve pelo mar em fora,

Ias deixar a terra onde vivemos,
Tudo esquecendo, intrépida rasgando
Folhas do livro que nós ambos lemos...

— Pois vai-te, firme eu disse. Porém quando
Na água afundam molemente os remos...
Não pude mais e sucumbi chorando.


AMOR E ROSAS

Um ano agora faz que em minha casa estavas.
Em meu pobre jardim rosas brancas havia;
Por desejá-las, tu nos pés te alevantavas
Para a rosa colher que mais alto floria.

Embalde! pois que a tanta altura não chegavas!
Para ajudar-te fui, e quando o braço erguia
E erguia a mão buscando a flor que desejavas,
Do teu olhar gelou-me a constante ironia.

Nesse momento, eu tremo, e o galho me escapando
Dispersa pelo espaço as desfolhadas flores,
Que te vieram cobrir a fronte compungida.

— Não é muito, senhora, (eu te disse) atentando
Que quem amor nos dá partido em muitas dores
Uma rosa receba em pétalas partida.


FLESH AND SOUL

Que és um astro, suponho, que emigrado
Rolou do céu à terra enegrecida;
Porque não tenho ainda me explicado
Como haja tanta aurora em tua vida.

Mal me achego de ti, minha querida,
Tu me iluminas d'esse amor sagrado.
Entra-me n'alma a dentro o sol doirado
Da tua voz magoada e dolorida.

Contudo és mais que o sol que vai embora,
Quando a terra volita soluçante
Abrindo as asas pelo espaço a fora.

O contrário é contigo, ó minha amante!
Tu sempre me iluminas; a toda a hora
Vivo voltado para o teu semblante.


A CHEGADA

Voa comigo o trem, voa como a suspeita,
Transpõe os ombros nus da montanha distante.
O sol anda no céu boquiaberto, ofegante
Dentro da concha azul tranqüila e rarefeita.

Também meu coração caminha palpitante
Levado pelo ímã fatal da linha reta
Ó amargura antiga! ó triste flor dileta
Que encontrará de novo o lúgubre viajante.

Ao passo que o trem voa, as árvores parecem
Erguerem-se do chão despertas ao rumor...
E dir-se-ia talvez que crescem, crescem, crescem.

De ti me aproximando o mesmo sinto, flor!
Os meus lábios joviais de beijos se entumescem
E vai crescendo em mim o meu interno amor.


A DRÍADA

Dentro de um bosque nemoroso errava
Sobre um solo de trevos a mesquinha,
A dríada que eu louco procurava
Galgando montes, na loucura minha.

Mas quando eu vinha a deusa recuava,
Ia-se embora a deusa quando eu vinha.
Por ela tantas vezes eu passava,
Quantas por mim ela passado tinha.

Nisto a trompa de caça emboco... e o alento
Da tuba estruge, a dríada estremece,
Corre, do curso a cabeleira panda...

Deuses! Sabei que a fúria do instrumento
Que o vale abranda e os bosques enternece,
Não a enternece nem seu peito abranda.

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes