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Ernâni Salomão Rosas Ribeiro d'Almeida (Florianópolis SC 1886-1955)
Assim como não seria próprio dizer que Villon foi o último dos Goliardos
e o primeiro dos malditos, também seria perda de tempo chamar Emílio de
Meneses de "o último boêmio" ou este Rosas de "último simbolista", já
que poesia ou boemia não têm prazo de validade e nenhuma escola está
proibida de renascer. Em todo caso, Rosas não tem a visceralidade de seu
conterrâneo Cruz e Souza (de quem talvez tenha tirado o pseudônimo de
Rictos da Cruz e outras influências), nem sua linguagem é tão
estapafúrdia e escalafobética quanto a de Kilkerry apenas seu
vocabulário é suficientemente mallarmaico para merecer um estudo de
Augusto de Campos situando-o entre os simbolistas singulares. Em comum
com outros simbolistas Rosas tem a ênfase em palavras como "alma" e
"indefinida"; em particular, tem seu narcisismo espelhado na maiúscula
que capitaliza a primeira pessoa. Quanto aos sonetos, são poucos e me
interessam especialmente os seguintes:
SOMBRA IDÍLICA (I) Amplo mistério, abraça meu segredo, floresce num delírio de inconsciente e a alma, que envelheceu pelo degredo, alheia-se a sonhar convalescente. Para mim, tudo num Luar se estagnou, como um adeus de cinza esmorecendo em tarde que minh'alma se evolou... num crepúsculo em seda amortecendo. A luz é uma ante-sombra, pela tarde na envolvência dum sonho de acordar... embolada na voz que se oira e arde... Ó Alma, que és sol pálido de Lua! sou o idílico irmão do teu cismar... que é meu rastro de branca Ofélia nua. A LUZ QUE SOBRE SI... A luz que sobre si orquestra em doido hinário. Ébria de sonho e cor, na dança a prosseguir, É toda etéreo luar, que a vela num sudário, Sortílega no anseio, heráldica a florir... Insônia a macerar-lhe a carne enlanguescente, Suscita-me a lascívia o seio virginal! Aclara-lhe o esplendor... O corpo, ópio-indolente, Oscila, desfalece ao meu desejo irreal... Angelizada voz numa noite em que os lises Floriam pelo azul... na lenda humanizou-se, Na insídia dum amor a distender raízes... Lúgubre agonizava à sombra da cisterna: E uma voz de perdão, mais rude do que doce, Parecia falar pela ilusão eterna!... A GLÓRIA A CONSTELAR... A glória a constelar de vitória em vitória, Como um poente, que à luz anoiteceu mais cedo, E fora a cravejar de rubis a memória Do teu cio sangrento às lajes dum degredo... Sinto-me a errar n'alguém, da sombra indefinida, No esquecer dos teus pés, assim como um segredo, A bailar como o olor na névoa adormecida, Duma dança que tem espasmos como o medo! No interlúnio da noite, incompreendido e lindo, Como um sonho febril, pela carne perdido, Que pelo olhar sem fim vai friamente ungindo... Pelo fluido lilás dessa penumbra intensa A silhueta de alguém, num gesto adormecido, Caminha pelo azul que as estrelas incensa... ALUCINA-TE A COR Alucina-te a cor e a calmaria desse oceano fulgente em que demoras o olhar em sonho a germinar auroras... entre a quimera e a líquida ardentia... Pareces caminhar magnetizada, sob um chover de estrelas e de rosas... pelo florir da Luz quimerizada surges de um mar de nuances misteriosas... Como ilha d'aromas e de gases, esparsa, no silêncio, que desperta... o lírio de teu gesto, entre lilases! Acenando do azul do meu assomo... ou d'aérea visão que à luz deserta, ao mágico poder que vem dum gnomo!... QUEM ÉS TU, LOBA? Quem és tu, loba ingente? que me buscas e atalhas meu sofrer incerto a Luz... e a estrela, que eu ideei no céu, me ofuscas... no entanto, est'alma triste inda reluz... Nuvem extinta do sol... já, na alvorada... foste a morte, que as horas escurece aguardando de lâmina doirada, o precursor do Sonho que floresce... Inesperadamente, entardeci! como um castelo à sombra de um cedral, pelo meu coração tu'ânsia ergui. Senti-Me arrebatar por teus segredos, escravo do teu Elo imaterial... Coluna envolta à vida dos teus dedos... OUTUBRO, O SOL... Outubro. O sol em fuga d'oiro parte! E a paisagem parece que morreu. Todo um temor procura-me afastar-te... Dentro de mim tu'alma floresceu. Cerrou-se teu palácio em brônzeas portas, Teus repuxos cessaram de se erguer... Há um estranho rumor a coisas mortas, Já as fontes pararam de correr. Guardo um rumor de folhas na alameda, Gela-me a paz da tarde pelo outono... Anda um tecer de luz a oiro em seda! Sonho-te ausente... ou antes recolhida, Vejo teu ser passar pelo abandono: Como uma sombra errante em minha Vida. À TARDE O POENTE DESFIA... À Tarde o Poente desfia Topázios com filigrana, Vindo ouvir a melodia Dos vasos de porcelana! Castelos do ocaso, esfinge, Em cinza d'oiro, penumbra! A Tarde em lírios nos cinge Para o longe que a deslumbra... Fulgores de rubra seda Na dolência carmesim Que vai do poente à alameda... Cintilos d'Astros, Poema! Diluir d'Opalas, Jardim... De Salomé: o Diadema! QUIMERA Nossa cabeça é uma divina furna, onde sonhos edênicos adejam antes que os olhos da nossa alma vejam abandonar do nosso corpo a urna. Ela é a falena do irreal casulo da nossa carne enferma de beleza... voltando à realidade com tristeza, dá do seu sonho para a vida um pulo... Mas, o mocho do Tédio, que negreja a curva azul da noite que nos beija a afastada paisagem da ilusão... faz a alma voltar à realidade, e olhar o paraíso com saudade... da nossa astral, cruel decepção!... TÍSICA A saúde falhou... desiludida, Em seu jardim de Além concebe o olor... p'la inércia de uma tarde indefinida a custo segue para o umbral transpor! Não maldigas a sós meu doce amor, não maldigas da carne e do sentir... a vida é vã, como delgada flor! tem espasmos de aroma no florir... Passou metade-luz por noite escura, presença espiritual dando-se a Deus... requeimando-se às chamas das alturas... A própria natureza lhe mentira era sombra da vida que surgira... sua alma triste pertencia a Deus! LÁGRIMA!... Ó lágrima nitente de Maria Estrela d'alva a cintilar tremente, És a divina lágrima d'um crente Na fervorosa prece da agonia. Rolas de olhos trêmula e fremente Celestial, misteriosa e fria, Caias talvez na pétala sombria Dum olímpico lírio alvinitente. É tão divina, mística e singela... Parece feita de luar ou neve Ou do estilhaço duma branca estrela, Na flor silvestre de celeste alvura A pequenina lágrima tão breve Se congelara para sempre pura!... LANGUIDEZ OUTONAL Minha volúpia é como uma moléstia estranha... Inverno. Vento forte, névoa no entardecer; Eu sei que um mal qualquer dentro de mim se entranha, Embora sinta, enfim, desejo de viver. Já invejei, Senhor! o cimo da montanha. Um coração, que parte, outro logo a sofrer; Tudo quanto se esvai nessa horrenda campanha, Nesse estéril lutar, nesse aziago prever. A dolência abateu-me! Em mim, o que ainda existe De apagado e sublime, unicamente, é a sombra De um sol crepuscular ou de um espírito triste! De mim há de nascer o Sonho de Amanhã... Nesse prolongamento hibernal, que me agüenta De um outono vermelho, aos beijos de Satã. AO POENTE Gosto de ver na síncope do dia A mistura de tintas do poente, O sangue vivo, violento e quente Do sol, n'uma medonha hemorragia. A claridade extingue-se na enchente Da noite, de uma atroz melancolia, Mas, na curva rosada inda sorria A luz do fim da tarde no ocidente. Pirilampos azuis, misteriosos Saem das moitas frescas, perfumadas, Como os astros por Céus silenciosos... E, por entre o salgueiro de uma cova, Surgia além, das fúnebres moradas, A cimitarra de uma lua nova. MISTICISMO DO OUTONO Ó meu jardim de flores e quimeras, Porcelana, que à luz é carne acesa... Ó Sol d'oiro fluido das esferas, Doces cismas d'Além para a tristeza... Bosque, onde a quimérica beleza Passeia, à luz cerâmica das Eras: Cuidando ver nos Astros a luz presa, O moribundo encanto as primaveras! Vaso de Eucaristia... Ó bizantino Castelo, onde a Graça d'Ela habita, Furtando-se aos desejos vespertinos!... Ó Silêncio da noite erma no Eufrates... A florir arcangélica e infinita Num pôr-de-Sol de flores escarlates!... ESPIRITUALISMO (a Miguel Monteiro) Carne que foste aroma e primavera Impregnada de Volúpia e Dor; Onde as lavas quiméricas do amor Transformaram-Te em Alma de Pantera Foste corpo de rosa n'outra Era, Infância embalsamada n'um Sol-pôr: Teclas violando músicas sem cor, Beijos frios que são pura quimera!... Misticismo de graça e de abandono. És o dia a findar-se e a mágoa vence-o: Num desconforto d'horas pelo Outono!... És o arcanjo do bem revelador! Névoa a dormir nos braços do Silêncio: Como adormece no meu peito a Dor!... BOÊMIA Adeus, flor da Boêmia! Adeus ó minha amante! Eu tenho a sensação da queda em pleno abismo! A minha vida foi, toda ela, em romantismo Presa à taça do vício e o amor d'uma bacante. Adeus ó Natureza eterna e fascinante! Foi-se-me a vida um sonho, à luz do Idealismo... Eu sinto-me afogar no horror do paroxismo!... Hoje sigo devasso um coração constante. Meus amigos, adeus! Adeus, minhas tabernas! Adeus, taça de vinho! Adeus, magos cantares!... E a guitarra a chorar nas melodias ternas Traz-me recordações das noites do passado... Noites que em pleno azul lascívias estelares Cantavam ao meu Amor a luta do meu fado!... VERSOS Ó capitosos, delirantes beijos!... De aromáticos lábios macerados; Mornos beijos de meigos namorados, Em lúbricos, harmônicos harpejos. Voluptuosos lábios encarnados, Na febre intensa de carnes e desejos; Beijos de Amor em lôbregos solfejos Belos, sutis aromas abrasados. Perfumosas romãs de rubros lábios Em fogo, em gelo, d'um supremo gozo, Furtando, às vezes, beijos em ressaibos. Beijos, lembrando todo um céu aberto, Abrasam-se no riso luminoso Dum lúcido verão, que vem tão perto!... APARIÇÃO Eu sou aquela Sombra aérea e antiga Aparição das horas vesperais, que um perfume ideal de rosa amiga divinizou-A para vós mortais. Eu sou aquela Sombra aparecida num crepúsculo lívido e outonal e fui divina luz amanhecida num ser de carne etérea e espiritual!... Sentinela do luar numa alameda dei-lhe meu corpo aéreo de Penumbra, fui a Alma dum Cisne amando Leda... Fui essa Ofélia de jardins irreais e como névoa iriada que se alumbra, sangra o espectro de Sol dentre Vitrais!... O AMOR NO IRREAL Irrealizei-Me Luz de teus baços Vislumbres morrente d'Oiro à Tarde em Ânforas, Olência... e como realizar-se em sonho ou Aparência em doido sortilégio a iluminar vislumbres Nunca realizar-Me, ao menos voz na Noite... Olor que feneceu na sombra do que fui! acordo-Me Saudade em nostálgico açoite de incerta em tentação no encanto que possui Abre-se dentro em Mim, como em falso ambiente Água sinistra e azul ofelizada em Lua! Todo Eu, Alma e temor por jardins d'Oriente... Minh'alma se evolou em gestos de Odorar-Te! teu corpo convalesce na minha Dor mais crua no Inexo da cor por nunca realizar-Te. CREPÚSCULO A sombra é Deus Penumbra d'Ópio ascensa! a esmorecer num sol de ocaso exangue; diluências de luz, que ungindo incensa em mãos de espectro úmidas de sangue. Noite d'Alma que avulta em sombra densa as árvores à beira d'algum mangue, num dilúvio de cinzas, na descrença dessa tarde de túnicas em sangue... Dá-lhe um ar roxo à anímica miragem, é monges d'água errante de nascente sonhando com carenas em paisagem! Soturno em luzes tristes a cismar sobre o azul Adriático ao Sol-poente, que sonha ver Palácios sob o mar!...
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |