Se é difícil saber até que ponto o poeta acredita naquilo que professa ou até onde finge, em questões de fé a dificuldade aumenta. Talvez a atitude mais sensata seja partir do princípio de que ninguém é mentiroso e que, portanto, qualquer leitor pode encontrar num dos sonetos abaixo um testemunho de que Deus incute a mesma verdade em diferentes cabeças, fenômeno que provaria Sua existência. Não há como duvidar, pois o meio termo não cabe aqui. O jeito é crer ou não crer. [GM] SETE DORES [Alphonsus de Guimaraens] Em teu louvor, Senhora, estes meus versos, E a minha Alma aos teus pés para cantar-te. E os meus olhos mortais, em dor imersos, Para seguir-te o vulto em toda a parte. Tu que habitas os brancos universos, Envolve-me de luz para adorar-te, Pois evitando os corações perversos Todo o meu ser para o teu seio parte. Que é necessário para que eu resuma As Sete Dores dos teus olhos calmos? Fé, Esperança, Caridade, em suma. Que chegue em breve o passado derradeiro: Oh! dá-me para o corpo os Sete Palmos, Para a Alma, que não morre, o Céu inteiro! SÃO JOÃO DA CRUZ [Alphonsus de Guimaraens Filho] Da noite a solidão sonora invade a alma, e a alma sozinha, companheira do silêncio noturno, é a primeira a penetrar a doce escuridade. Deixem-na ir até onde a calada, silenciosa música se espraia; o vento é manso, a noite é sossegada, o fulgor das estrelas já desmaia. Deixem-na ir, sem ser notada, a casa quieta, o repouso do infinito em tudo que a cerca e docemente é que a domina. Deixem-na ir, pequena, humilde brasa acesa contra a treva e contra o mundo céu de que desce a estranha paz divina. CRISTO DE MARFIM [Antero Bloem] Quando depões sobre o teu Cristo Amado, Esse Cristo que pende de teu peito, Ungido de ternura e de respeito, Um beijo de teu lábio imaculado, Eu, sacrílego, sinto-me levado Ou seja por inveja, ou por despeito A arrebatar o Cristo de teu peito E em teu peito morrer crucificado... Mas, quando vejo de teu lábio crente Cair sobre o Jesus a prece ardente, Talvez por nosso amor, talvez por mim, Ardo na chama intensa dos desejos De arrependido, sufocar meus beijos Nesse teu alvo Cristo de Marfim... O INSEPULTO [Atílio Milano] Eu tenho um Cristo de marfim na sala, Com tal arte esculpido no marfim, Tão pálido, tão triste que me fala Com os olhos, de uma dor que não tem fim: "Homem! a minha angústia não se iguala! Eu trago tanto fel dentro de mim! Sofri para remir-te e, nem assim, Mereço o último alívio de uma vala! E dei a vida para dar-te vida! Tenho o corpo chagado, a alma ferida!... A humanidade? Eu não pude salvá-la; Morri por ela! E agora ainda por fim Crucificaram-me em cruzes de marfim, Entre as quatro paredes de uma sala!..." EVANGELHO E ALCORÃO [Augusto de Lima] Num tom de voz que a piedade ungia, Falava o padre ao crente do Alcorão, Que no leito de morte se estorcia: "Implora de Jesus a compaixão." "Deixa Mafoma, ó filho da heresia, E abraça a sacrossanta religião Do que morreu por nós..." E concluía: "Se te queres salvar morre cristão." Ao filho de Jesus, o moribundo, Ergueu o olhar esbranquiçado e fundo, Onde da morte já descia o véu. Mas logo se estorceu na ânsia extrema E ao ver da Redenção o triste emblema, Ruge expirando: "Alá nunca morreu!". REGINA MARTYRUM [Auta de Souza] Lírio do Céu, sagrada criatura, Mãe das crianças e dos pecadores, Alma divina como a luz e as flores Das virgens castas a mais casta e pura; Do Azul imenso, dessa imensa altura Para onde voam nossas grandes dores, Desce os teus olhos cheios de fulgores Sobre os meus olhos cheios de amargura! Na dor sem termo pela negra estrada Vou caminhando, a sós, desatinada, Ai! pobre cega sem amparo ou guia! Sê tu a mão que me conduza ao porto. Ó doce mãe da luz e do conforto, Ilumina o terror desta agonia! AÇÃO DE GRAÇAS DO POETA [Bastos Tigre] Graças a vós Senhor, pela ventura De poder isolar-me na Poesia, Ter nela o alívio à provação mais dura, E, no Sonho, o meu pão de cada dia. Sentir albor de luar na noite escura, Achar descanso e paz na nostalgia E ver, até no pranto da amargura, Um consolo vizinho da alegria. Graças a vós por este dom divino Que me defende do destino adverso, Tornando-me senhor do meu destino. E se em mim próprio, ruge o mal perverso, Puro, alegre, feliz, o mal domino E alo-me ao Céu nas asas do meu verso. MARIA [Berilo Neves] Essa, que às leis universais se exime, E dos erros de Adão não se ressente; Que os pecados afasta, e afasta o crime, E transforma em sorriso a dor ardente; Essa, que o Bem resume, a Luz exprime, E alegra o coração de toda a gente, É a Virgem, Mãe de Deus, mulher sublime, Que a Divina Justiça faz clemente. Linda flor, divinal, mimosa e pura, Obra-prima da Graça e da Beleza, Maravilha da Arte e da Natura; Palpitante sacrário, pequenino Templo feito de carne e de pureza, Onde andou a sorrir um Deus Menino... MÃE EVA [Carlos Gondim] Mãe Eva! anjo misérrimo e execrado, O delito que um Deus te não perdoara, Nunca fora maior, se não vingara, Sobre a terra, a delícia do pecado. Foste um raio de sol que iluminara As trevas do planeta, lado a lado... Foste a enxada, a charrua, a foice, o arado E a sementeira de fecunda seara. De ti o Amor nasceu, libérrimo, entre Hosanas mil, para ser grande (Vedem Embora, as parras clássicas, teu ventre). E se rolaste pelo abismo fundo, Dando incentivo ao mal perdeste um Édem, Glorificando o Amor ganhaste um mundo! A MONTANHA DE CRISTO [Carlos Maúl] Tu que trouxeste a voz consoladora Do perdão, e de séculos distantes Traças ao mundo a rota redentora Que leva o amor a todos os quadrantes; Tu que possuis as forças dominantes Da bondade e da luz inspiradora, És a fonte da Fé confortadora Da intrépida vontade dos gigantes... Descem de ti eflúvios de virtude, Fulguração de sol que as almas banha Na frescura da tua juventude... O homem na terra os passos acompanha, Altitude a fulgir noutra altitude, Montanha culminando outra montanha... FÉ [Clóvis Monteiro] Fé! Prenda concedida às almas puras! Sem ti, luz fecundante, que era do homem, Sujeito, nesta vida, às amarguras, Que a própria seiva espiritual consomem? Sopro do céu! Nas regiões escuras Da terra não há forças que te domem. Salvas do lodo as pobres criaturas, Que as más idéias ante ti se somem. Mas, ai! do pecador que te não sente! Quem há, porém, que, mísero, se esquive De ti, obra de um Deus justo e clemente? Todo bem, todo bem por ti ocorre... Alegria suprema de quem vive! Derradeiro consolo de quem morre! AVE! MARIA [Cruz e Souza] Ave! Maria das Estrelas, Ave! Cheia de graça do luar, Maria! Harmonia de cântico suave, das harpas celestiais branda harmonia... Nuvem d'incensos através da nave quando o tempo de pompas irradia e em prantos o órgão vai plangendo grave a profunda e gemente litania... Seja bendito o fruto do teu ventre, Jesus, mais belo dentre os astros e entre as mulheres judaicas mais amado... Ó Luz! Eucaristia da beleza, chama sagrada no Evangelho acesa, maravilha do Amor e do Pecado! GRAÇAS TE RENDO... [Emiliano Perneta] Graças te rendo aqui, preciosa Senhora, Que, num simples olhar de ternura, tiveste O dom de me elevar, assim como o fizeste, Entre os brasões do amor e as púrpuras d'aurora... O dom de me fazer acreditar que veste O humano coração, como acredito agora, Não o lodo, porém, o linho; que se adora, O linho que fulgura em pleno azul-celeste... Sei que os votos que são trabalhados com arte Hão de os deuses cumprir, ó luz maravilhosa: Sê, pois, bendita, sê bendita em toda parte! Que onde fores pisar, que por onde tu fores: A lama se transforme em pétalas de rosa, As víboras em fruto, os espinhos em flores! A PAIXÃO [Emílio de Meneses] Messias anunciado e do Céu predileto! Tu que és Filho de Deus e Rei do mundo todo, Filho da minha crença e meu primeiro afeto, Sofres dos maus, assim, o repelente apodo? Tens o Teu coração de bondade repleto De perdões e de fé, de audácias e denodo; E eu vejo assim na terra, o Teu divino aspecto Maculado de sangue e coberto de lodo!... Será possível, Deus! Pai da suprema graça! Que assim deixes passar pela dura agonia Porque Meu Filho, o Teu, por entre os homens passa!?... E nisto, a Virgem-Mãe, cujo olhar irradia, Tem nos olhos a dor e a dúvida a traspassa!... Era o segundo olhar dos olhos de Maria!... LÁGRIMA!... [Ernâni Rosas] Ó lágrima nitente de Maria Estrela d'alva a cintilar tremente, És a divina lágrima d'um crente Na fervorosa prece da agonia. Rolas de olhos trêmula e fremente Celestial, misteriosa e fria, Caias talvez na pétala sombria Dum olímpico lírio alvinitente. É tão divina, mística e singela... Parece feita de luar ou neve Ou do estilhaço duma branca estrela, Na flor silvestre de celeste alvura A pequenina lágrima tão breve Se congelara para sempre pura!... A FONTE DE JACÓ [Francisca Júlia] Na velha Samaria era Sicar situada; Ora, em Sicar, Jacó, filho de Isac, um dia, Velho já, tarda a mão, à sua gente amada Uma fonte rasgou d'água límpida e fria. O Mestre, certa vez, a essa borda abençoada, (No tempo de Jesus a fonte inda existia) À hora sexta quedou-se, a fronte angustiada De dor, a ver passar gentes de Samaria. Uma Samaritana, acaso, à fonte veio; E ao passar por Jesus, com seu cântaro cheio, O alto busto ondulou numa graça lasciva... Água! pediu Jesus, mata-me a sede e a mágoa! Do cântaro, que tens, dá-me uma pouca d'água Que, em troca, eu te darei da fonte d'água viva. SONETO 402 CARISMÁTICO [Glauco Mattoso] "Desacatolicismo" é como chamo a falsa liturgia dos "cantores". Não é que pela fé morra de amores, mas vejo com desdém seu novo ramo. Igreja é coisa séria! Meu reclamo é contra o linguajar de tais pastores. As "dívidas", "os nossos devedores", assim era o pai-nosso, assim declamo. Se sou conservador? Às vezes sim. Tem coisas que, se mudam, só piora, tais como o conto, o início, o meio, o fim. O sino, às seis da tarde, dando a hora; o metro no soneto e, só em latim, os versos de louvar Nossa Senhora. PEQUEI, SENHOR [Gregório de Matos] Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque, quanto mais tenho delinqüido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido: Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu, como afirmais na sacra história, Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, Cobrai-a; e não queirais, pastor divino, Perder na vossa ovelha a vossa glória. A JESUS [Gustavo Teixeira] Ó casto Lis da Galiléia! quando, Sob o peso da cruz do teu fadário, Ferindo os pés, gemendo e soluçando Tropeçavas na encosta do Calvário, O Homem cruel, o monstro sanguinário, Tripudiava em teu pranto, gargalhando! E tu julgavas pobre visionário! Que a alvorada do Amor vinha raiando! Em vão lutaste com o dragão do Vício E consumaste o heróico Sacrifício! Que conseguiste com teu sangue, Mestre? É sempre a mesma a turba odiosa e fútil Que te insultou na penedia alpestre E te manchou a túnica inconsútil! GLÓRIA! [Hermes Fontes] Glória é a expressão de Deus, sobre a miséria humana. É o Céu, arqueado, em loa aos milagres da Terra. Glória é ressurreição, sobrevivência... Emana do alto: que só a Altura as alturas descerra. Árvore, ó cruz verdeal do píncaro da serra! Ó cruz das catedrais de que o torreão se ufana! glória é a repatriação da alma que se desterra no Sonho, para o Sonho... O sonho é a glória... Hosana! Ser alma é professar na Dor. Calvário ou Pindo, dor pela Fé ou pelo Ideal a glória é o pouso, culminância a que, Deus e Poeta, vão subindo: Que o só heroísmo o só, verdadeiro e glorioso é o de sofrer cantando, é o de morrer sorrindo para não perturbar o bem do alheio gozo... VERSOS A JESUS [J. G. de Araújo Jorge] Serviu-te a manjedoura humilde de começo, nem palácios reais, nem berços de cetim... aliás, para pregares a obra que conheço tu só podias mesmo ter nascido assim... Decorei tua história e dela não me esqueço porque sei que tu foste humano e igual a mim! e sofreste, e sonhaste, e pagaste por preço do teu sonho o Calvário que aureolou teu fim! Sem falsas liturgias revelaste a Vida, e curvado, com o peso da cruz sobre os ombros sangraste os pés desnudos na íngreme subida... Inútil sacrifício!... Hoje, apóstolos teus reduzindo a grandeza do teu sonho a escombros mercadejam teus restos em nome de Deus! SONETO DA PRECE [José Albano] Bom Jesus, amador das almas puras, Bom Jesus, amador das almas mansas, De ti vêm as serenas esperanças, De ti vêm as angélicas doçuras. Em toda parte vejo que procuras O pecador ingrato e não descansas, Para lhe dar as bem-aventuranças Que os espíritos gozam nas alturas. A mim, pois, que de mágoa desatino E, noite e dia, em lágrimas me banho, Vem abrandar o meu cruel destino. E, terminando este degredo estranho, Tem compaixão de mim, Pastor Divino, Que não falte uma ovelha ao teu rebanho! FANTASIAS [Júlio Salusse] Jesus de Nazaré, vives no céu, contudo Não vives lá melhor do que viveste aqui, Pois em Jerusalém tiveste um dia tudo E eras então somente um pálido rabi... As filhas de Israel, quando passaste, mudo, Rosas de Jericó jogaram sobre ti... A Madala mostrou-te as tranças de veludo, Foste aclamado rei do trono de Davi! Que mais puderas ter sobre a face terrena? Aclamaram-te rei, amou-te Madalena E passaste depois às páginas da história... Para qualquer mortal julgar-se venturoso Dos gozos que tiveste é bastante um só gozo: O amor de uma mulher ou um dia de glória! JESUS [Junquilho Lourival] Senhor, ao teu desejo elevo a taça Transbordante de fel do meu tormento! Tua vontade sobre mim se faça E seja o teu amor meu pensamento! Que a minha fé, Jesus, não se desfaça, Das perversões ante o deslumbramento! Por mim passe a maldade como passa O grão de poeira no fragor do vento! Mártir da Cruz, ó símbolo da Mágoa! Dá-me a cumprir sereno a minha pena Chagado o corpo e os olhos rasos d'água. E faze que esta boca humilde e boa Nunca maldiga ao que disser Condena! Mas beije os pés ao que disser Perdoa! JESUS AO COLO DE MADALENA [Luís Delfino] Jesus expira, o humilde e grande obreiro!... Sobem já, pela cruz acima, escadas; E nos cravos varados do madeiro Batem os malhos, cruzam-se as pancadas. Ouve-se o choro em torno. As mãos primeiro, Inertes, caem no ar dependuradas; A fronte oscila; arqueia o tronco inteiro Nos braços das mulheres desgrenhadas. Soltam-se os pés. Aumenta o pranto e a queixa. Só Madalena ao oiro da madeixa Limpa-lhe a face, que de manso inclina. E no meio da lágrima mais linda, Com o dedo erguendo a pálpebra divina, Busca ver se Ele a vê... beijando-o ainda!... AFETOS JACULATÓRIOS [Manuel Botelho de Oliveira] Quem pudera Senhor sempre atender-vos! quem pudera Senhor sempre agradar-vos! quem pudera Senhor sempre buscar-vos! quem pudera Senhor sempre querer-vos! Quem me dera meu Deus nunca ofender-vos! quem me dera meu Deus nunca agravar-vos! quem me dera meu Deus nunca deixar-vos! quem me dera meu Deus nunca perder-vos! Oh quem pudera nunca resistir-vos da terra desprezando a doce guerra pera em meu peito sempre possuir-vos: Mas ai! que tal miséria em mim se encerra que se largá-la quero por seguir-vos, a terra pega em mim, por ser da terra. DIABO [Martins Fontes] Mestre! o meu preito estridoroso! Mestre! Lúcifer, Belzebu, Satã, Mefisto! Que eu nas malícias que tu tens me adestre, E celebre o teu nome, Trismegisto! Embora a inveja inane te seqüestre, Prestigitador, mago imprevisto, No teu cenário alquímico terrestre, Fagulhejas no eflúvio do flogisto! Mistagogos basbaques, ou tribunos Boquiabertos, assombra o heterogêneo Dos teus passes e rasgos oportunos! Bravo! Atiro-te estrelas no proscênio! Que seria de nós, os teus alunos, Sem a flama escarlate do teu gênio? VIRGEM DE NAZARÉ [Osvaldo Orico] De pés descalços e a alma reverente, Sigo-te, como outrora te seguia, Santa do coração de minha gente, Padroeira da graça e da alegria. Na procissão que passa, humildemente, Como há vinte e três anos o fazia, Trago-te a minha dádiva de crente Nesta salva de luz e poesia. Sou a grande onda humana que se espalha Do teto nobre ao tapiri de palha, Sou essa força anônima e divina, Que subindo, espontânea como a vaga, A hesitação dos tímidos apaga E a virtude dos crentes ilumina. A AVE-MARIA [Raimundo Correia] Ave-Maria! Enquanto nas campinas As "boas-noites" abrem, misteriosas Bocas exalam no ar frases divinas, Como suave emanação as rosas... Ó noivas do infortúnio lacrimosas, Crianças loiras, mórbidas meninas, Órfãs de lar e beijos, que, piedosas, Ergueis ao céu as magras mãos franzinas! Quando rezais, às horas do sol posto, A ave-maria assim, no azul parece Sorri-se a Virgem-Mãe aos desvalidos; Nossa Senhora inclina um pouco o rosto Para escutar melhor tão meiga prece, Hino tão doce e grato aos seus ouvidos. CRISTIANISMO [Raul de Leoni] Sonho um cristianismo singular Cheio de amor divino e de prazer humano; O Horto de Mágoas sob um céu virgiliano, A beatitude com mais luz e com mais ar... Um pequeno mosteiro em meio de um pomar, Entre loureiros-rosa e vinhas de todo o ano, Num misticismo lírico, a sonhar Na orla florida e azul de um lago italiano... Um cristianismo sem renúncia e sem martírios, Sem a pureza melancólica dos lírios, Temperado na graça natural... Cristianismo de bom-humor, que não existe, Onde a Tristeza fosse um pecado venial, Onde a Virtude não precisasse ser triste... AO LUAR [Rodrigues de Abreu] Os santos óleos, do alto, o luar derrama... Eu, pecador, ao claro luar ungido, Sonho: e sonhando rezo comovido E arrebatado na divina chama. Deus piedoso, consolo do oprimido, Se compadece, à voz que ardente clama, Porque meu coração, impura lama, É um brado intenso para os céus erguido! E o divino perdão desce da altura: Grandes lírios alvíssimos florescem Sob a lua, floresce a formosura... E nessa florescência, imaculados Raios longos do luar piedoso descem, Choram comigo sobre os meus pecados. O SONETO SAGRADO
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