|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Gustavo de Paula Teixeira (São Pedro SP 1881-1937)

Esquecido pelos antologistas, o discreto parnasiano escondia o pedófilo que mal disfarçava sua atração pelas tranças das ninfetas, mas que soube sonetar em tom lamentoso e precioso de modo a exorcizar suas frustrações, talvez platônicas ou masturbatórias, através de temas bíblicos ou históricos. Fica evidenciada, contudo, a extrema perícia do sonetista.


SAUDADE

Quando colhi o beijo longo e doce,
O seu primeiro beijo de menina,
A minha alma, num êxtase, ajoelhou-se,
Transfigurou-se, envolta em luz divina!

Tão linda! A mão, como se um lírio fosse,
Após o adeus, de longe, alva e franzina,
Desfolhava-se em beijos... E acabou-se
Tudo entre prantos! Era minha sina.

Na luminosa quadra dos amores,
De seio em seio andei colhendo flores,
Mas ninguém como aquela foi querida!

Do fundo da saudade ela me acena!
O amor por essa que era tão pequena
Foi o maior de toda a minha vida!


HORAS NEGRAS

Noite. Na escuridão soturna do meu quarto,
Penso em ti, meu amor! Lá fora, o furacão
Urra como um ciclope e açoita o cedro que, harto
E farfalhante, agita a copa na amplidão.

Sem ilusões, da vida há muitos anos farto,
Sinto que mais me pesa agora o coração!
Cheio de angústia, à porta a fronte quase parto
Quando estoura no espaço a bomba de um trovão.

Contra a janela, em fúria, investe a ventania
Bramindo como um leão nas vascas da agonia,
Raios batem-se em duelo... Ouço lamentos... ais...

Que noite fria!... E eu só, chorando num delírio
Por esse corpo em flor, mais branco do que um lírio,
Que não apertarei nos braços nunca mais!


CORAÇÃO DEFUNTO

Crianças virginais de bocas perfumadas
Como os rosais em flor, como o coral das rosas,
Anjos de asas de arminho, humanas alvoradas
De voz de rouxinol e tranças ondulosas:

Não tenteis reviver as ilusões doiradas
Do meu passado azul sepulto entre mimosas!
Dentro desta alma envolta em névoas condensadas
Já nem um sonho agita as plumas luminosas!

Por que vindes cantar deste sepulcro às bordas
Onde só vêm pousar noturnas borboletas?
Quem logrará tanger um bandolim sem cordas?

Debalde me volveis dulcíssimos olhares!
Pois neste coração, onde esfolhais violetas,
Reina o inverno glacial das solidões polares!


LAR DE LUTO

Era um ninho e tornou-se um túmulo esta casa
Desde o dia em que a meiga irmã das açucenas,
Fazendo ouvir em torno um leve ruflo de asa,
Emudeceu, cruzando ao peito as mãos pequenas!

Embebido no Azul o olhar, que a angústia abrasa,
A mãe, a pobre mãe, mártir de eternas penas,
Dores, que cristaliza em lágrimas, transvasa...
Cortam-me o coração estas cruciantes cenas!

Desde que a aurora abria o frouxo cortinado
Do Oriente, ela trazia o lar iluminado
Pelo raio de sol do riso astral que tinha!

Dos lírios que plantou teceram-lhe a capela...
Nunca mais há de vir colher jasmins aquela
Que se foi para o Céu num vôo de andorinha!


VISÕES (às meninas que amei)

Ó vós que na manhã de minha mocidade
Reduzistes a pó as minhas esperanças,
Por que vindes por entre as névoas da saudade
Derramar em minh'alma o perfume das tranças?

Ó flores que trazeis o olor da virgindade
E risos matinais em bocas de crianças,
Deixai-me, enfim, em paz na minha soledade
Apascentando o meu rebanho de lembranças!...

Mas se agora vos punge a dor do louco amante
Que via em vosso olhar a estrela do Levante
E ouvia uma canção em vossa ebriante voz:

Quando em breve eu fechar os olhos entre círios,
Pagai-me em bogares, crisântemos e lírios,
As santas ilusões que desfolhei por vós!


OS TRIUNFADORES: ALEXANDRE

Num sonho excelso, com o olhar o mundo abarcas:
E partes, num tropel de atletas e gigantes,
Ásia a fora, quebrando o cetro dos monarcas
E brechando brutais muralhas de elefantes!

Ficam por todo o Oriente as indeléveis marcas
Das patas dos corcéis. As falanges brilhantes,
Que Marte impele e Zeus protege, amealham arcas
De ouro e prata e montões de pedras coruscantes.

Oferecem-te o amor as princesas mais belas!
Perfumam-te os jardins da rica Babilônia!
Comes pavões da Média em rútilas baixelas!

De sátrapas e reis quebras o jugo fero...
Para os feitos cantar-te, águia da Macedônia,
Só tem cordas a tiorba olímpica de Homero!


OS TRIUNFADORES: ANÍBAL

Em Sagunto recebe a água lustral da glória:
E, caminho da Itália, o gênio de Cartago,
Entre avalanches, presto, os Alpes vinga, o estrago
Espalhando através da longa trajetória.

Carregado de anéis e pompas de vitória,
De bucinas marciais num estridor pressago,
Lá vai! Por onde passa um borbulhante lago
De sangue deixa, abrindo um sulco astral na História!

Firme, o Cartaginês aríete dos aríetes,
Passeia entre um fulgor de escâmeos capacetes,
De armaduras de bronze e lanças rutilantes...

Cônsules e legiões de assombro semimortas
Triunfantemente leva até de Roma às portas,
A patas de corcéis e trombas de elefantes!


OS TRIUNFADORES: CÉSAR

Por sobre as Gálias solta as águias belicosas,
Transpõe o Reno e invade a inóspita Bretanha...
Muralhas não detêm suas legiões gloriosas
Que pisam nobremente orgulhos de montanha!

Podem setas zunir! Pode raivar a sanha
Dos bárbaros sem conta! As hostes vitoriosas,
No sinistro fragor da pertinaz campanha,
Colhem para coroá-lo imarcescíveis rosas!

Estremece o inimigo assim que lhe ouve o passo;
No torvelim da luta a sua espada brilha
Furando corações de heróis de peitos de aço.

Por degraus de lauréis sobe ao sonhado sólio,
E Roma, que o seu vulto enche de maravilha,
Eleva o triunfador de Munda ao Capitólio!


OS TRIUNFADORES: BONAPARTE

Entre o crebro estridor das músicas de guerra,
Como um raio, percorre os campos de batalha,
E, terror das nações, abala toda a Terra
Com urros de canhão e estrondos de metralha.

Quando, de gládio em punho, o Corso passa, aterra,
E ao clamor dos clarins o pânico se espalha!
Da Holanda à Rússia, entre ais, choros e pragas, erra,
Dando aos corvos festins de opípara mortualha.

Desde as três colossais pirâmides do Egito
— Arcas de tradições, assombros de granito, —
Veio aos seus pés curvando o alto orgulho realengo.

Viena, Berlim, Moscou guardam vivaz memória
Do semideus que tem, para perpétua glória,
Os troféus de Wagram e os louros de Marengo...


CLEÓPATRA

Sob o pálio de um céu broslado de cambiantes,
A galera real, de tírias velas tesas,
Avança rio a dentro, arfando de riquezas,
Cheia de um resplendor de pedras coruscantes.

Sob um dossel de bisso, entre espirais ebriantes
De incenso, a escultural princesa das princesas
Cisma... Remos de prata, à flor das correntezas,
Deixam móbeis jardins de bolhas trepidantes...

Soluçam harpas d'oiro às mãos de ancilas belas;
Branda aragem enfuna a púrpura das velas
E à tona da água alveja um espumoso friso.

E a Náiade do Egito, ao ver a frota ingente
De Marco Antônio, ri, levando unicamente
Contra as lanças de Roma a graça de um sorriso...


CASA PATERNA

Da velha casa em que a manhã da vida
Passei — conservo uma lembrança exata:
Antes de eu vir ao mundo foi erguida
Perto da serra, quase ao pé da mata.

Dá para o sul a frente enegrecida;
Ao lado, para um poente de escarlata,
Janelas donde, na estação florida,
Se aspira o cheiro dos jasmins de prata.

Perto, o bambual em cujo seio amigo
Cantam graúnas, e o pomar antigo
Com melros, tiés e gurundis em bando.

O ribeirão, o cafezal, a horta...
Ah! que saudade o coração me corta
Do lar querido que deixei chorando!


O PODER DA ORAÇÃO

"Orai sempre, orai sempre. Ouvi o que vos digo.
Figurai que um de vós dormisse descuidado,
E fosse pela voz de um companheiro antigo
Subitamente à meia-noite despertado:

— Empresta-me três pães. Hospedo um velho amigo,
Vindo agora, e de pão não tenho um só bocado.
Desculpa-me a horas tais bater ao teu postigo.
Meu hóspede, em jejum, espera, fatigado.

O de dentro por certo assim responderia:
— É muito tarde! Estou deitado. A noite é fria,
E o vento que uiva fora é um látego que corta.

Mas, se o amigo insistisse, embora contrafeito,
Para poder dormir em paz, deixando o leito,
Munido dos três pães, iria abrir-lhe a porta."


TREVAS

Sobre a Judéia chovem trevas... Uma lua
De mármore, glacial, descobre a face inteira:
— É um pelejante círio aceso à cabeceira
Desse que tem por veste a névoa que flutua!

A turba, num assombro, ondeia, tumultua.
Em vão os fariseus, na sua atroz cegueira,
Escarnecem: em pouco, insólita e agoureira,
Chega ao Pretório e ao Templo a agitação da rua.

Surgem estrelas como lágrimas brilhando,
Balem ovelhas. Cai ao pé da cruz um bando
De andorinhas que voava em círculos por cima.

E a cólera de Deus, que entre os astros assoma,
Terrível como quando em pó tornou Sodoma,
Faz tremer pedra a pedra os muros de Solima!


A JESUS

Ó casto Lis da Galiléia! quando,
Sob o peso da cruz do teu fadário,
Ferindo os pés, gemendo e soluçando
Tropeçavas na encosta do Calvário,

O Homem cruel, o monstro sanguinário,
Tripudiava em teu pranto, gargalhando!
E tu julgavas — pobre visionário! —
Que a alvorada do Amor vinha raiando!

Em vão lutaste com o dragão do Vício
E consumaste o heróico Sacrifício!
Que conseguiste com teu sangue, Mestre?

É sempre a mesma a turba odiosa e fútil
Que te insultou na penedia alpestre
E te manchou a túnica inconsútil!


À DOR

Ó Dor, ó velha imperatriz do mundo,
Que a gente arrasta como brônzea carga,
Maldita sejas! Teu olhar profundo
É o pesadelo desta vida amarga!

Foge de mim, fantasma tremebundo!
Arranca-me este espículo da ilharga!
O rosto em vão de lágrimas inundo:
A tua mão de espinhos não me larga!

Por castelos, choupanas e casebres,
Bebendo sangue e produzindo febres,
Passas deixando o rastro nauseabundo.

Os corações te amaldiçoam... Quando
Há de ter fim o teu reinado infando,
Ó Dor, ó velha imperatriz do mundo?


SONHO MORTO

O sonho azul que eu vinha acalentando
— Uma preciosa dádiva divina —
Foi dia a dia as pétalas cerrando
Como um helianto quando o sol declina...

Adeus, ó lírio de um perfume brando
E tez nivosamente alabastrina,
Que, o meu torvo pesar balsamizando,
Me sorrias na estrela vespertina!

Doce ilusão crescida na minh'alma!
Nunca mais tu virás, por noite calma,
Beijar-me o rosto, plácida e radiante!

E hei de chegar ao meu sombrio outono
Sem ter um anjo que no extremo instante
Me feche os olhos para o eterno sono!


HORAS MORTAS

Doze pancadas o relógio bate
— Um rosário de contas de lamentos! —
Depois silêncio. Estão dormindo os ventos
Como titãs cansados do combate.

Sob o livor da lâmpada, que abate
A dúbia chama, tenho pensamentos
Sinistros como os corvos agourentos.
No peito a dor enterra-me o acicate!

Debalde tento conciliar o sono
Para atenuar o horror deste abandono
Em que sucumbo num montão de espinhos!

Abro a janela. Inda tão longe a aurora!
Tudo repousa... Apenas, vale a fora,
Cantam as fontes embalando os ninhos...


NOITE DE AMOR

Quando me deste, pálida, ofegando,
O teu primeiro beijo ao fim do dia,
No ocaso, envolta em púrpuras, nascia
Vésper, doirada e límpida, radiando.

Cada vez que o meu beijo, fuzilando,
Iluminava a câmara sombria,
Teu corpo lácteo e açucenal tremia
Como um lírio que vem desabrochando...

Na tua boca de coral zumbia
Dos meus desejos o sequioso bando,
E o teu colo a violetas recendia!

Quando me deste, pálida, ofegando,
O último beijo a palpitar, — morria
A estrela d'Alva, trêmula, chorando!


NOITE DE INVERNO

Que frio!... E eu só!... Oh! noite de amargura!
Lá fora plange com angústia o vento
Desgrenhando o arvoredo, que murmura,
De mãos alçadas para o firmamento.

Meu leito é uma gelada sepultura,
O lençol — um sudário... Embalde tento
Dormir: o frio cresce e me tortura!...
A minh'alma tirita... Que tormento!

Ah! se ela, cheia de ternura e zelo,
De amor vencida, viesse neste instante
Envolver-me no manto do cabelo!...

Loucura minha! A um sonho em vão me aferro!
Não mais terei o seu perfume ebriante
Neste noturno cárcere de ferro!


RASGANDO UM LIVRO DE VERSOS

Relida a última estrofe peregrina,
Vou de uma em uma as páginas rasgando
Do livro que o teu nome etéreo e brando,
Que o teu nome arcangélico ilumina!

As rimas, que em coroa cristalina
Ornavam teus cabelos, gotejando,
Pérolas soltas, vão-se... Está chorando
Minha alma, como as conchas, em surdina!

Com que ternura rendilhei os versos
Que o vento leva a farfalhar, dispersos,
Quais folhas mortas, por um chão de abrolhos!

Desaba todo um mundo aéreo e lindo!
Assim, um dia não lerás sorrindo
O que escrevi com lágrimas nos olhos!


EM SONHO

Se me não amas, por que vens num sonho,
Que é um céu aberto em minha noite escura,
Dar-me a ilusão de uma hora de ventura,
Com esse olhar tão cândido e risonho?

Logo que cerro as pálpebras, tristonho,
Desces, num vôo de anjo, terna e pura,
E me apertas ao seio com ternura,
E iluminas um cárcere medonho!

Assim, todas as noites me ofereces
As flores de um edênico noivado,
Tu que jamais ouviste as minhas preces!

Acordo sempre em lágrimas banhado!
Pois quanto mais formosa me apareces,
Mais me arrependo de te haver amado!


PAINEIRA MORTA

Adeus, ó verde amiga das crianças!
— Tecedeira de sombras nos caminhos,
Para os enxames das abelhas mansas
E borboletas não tiveste espinhos!

Hoje o flóreo cabelo não destranças,
Num palpitar de ramos e de ninhos,
Nem sacodes perfumes dessas tranças
Onde noivaram ledos passarinhos.

Caíste em plena glória, farfalhando,
E cobrindo de pétalas o infando
Algoz, que lava as mãos como Pilatos!

Não mais, porém, do estio entre os ardores
Darás abrigo a vândalos e ingratos
Sob a cheirosa clâmide de flores!


PARAÍSO PERDIDO

Eras do meu outono a última andorinha...
Com que saudade evoco o tempo azul celeste
Em que na própria terra o amor de um anjo eu tinha!
Nunca me esquecerei dos beijos que me deste!

Tantos sorrisos, tanto enlevo... Que fizeste
De todo um Paraíso? Assim que se avizinha
A tarde, de mais sombra a sombra se reveste.
Sem a tua, minha alma anda a chorar, sozinha!

"Serei só tua, só, por toda, toda a vida!"
E eu sonhava, feliz, ouvindo a voz querida,
Doce como a canção da fonte à luz da lua.

Néctar, só néctar, a tua ânfora continha...
Nunca mais minha boca há de beijar a tua!
Tua alma nunca mais há de abraçar a minha!


A CORUJA

Em uma noite de luar funéreo
Em que os ventos dobravam a finados,
Eu fui chorar no velho cemitério
Por aquela que tanto havia amado!

Buscava, da saudade sob o império,
Sobre o sepulcro branco debruçado,
Desvendar do Além Túmulo o mistério,
Saber se a vida existe do outro lado.

Eu chorava... De súbito, elevou-se
Uma voz que gelava qual se fosse
O chocalhar de uns ossos de esqueleto!

Era uma estrige, o negro mocho infando
Que repetia, sobre as campas voando,
O sombrio monólogo de Hamleto...


A LIBÉLULA

Entre os juncos das bordas da lagoa
Onde bebem a fera e a pomba mansa,
Voa a leve libélula, revoa,
E sutilmente sobre as águas dança.

Sem rumo, sobe e desce, gira à toa,
Fixa-se no ar e — alada flecha — avança.
Só quando a terra de astros se coroa,
A dançarina alígera descansa.

Num flexível caniço que a aura entorta
E oscila ao choque de uma folha morta,
Dorme, a sonhar com o lago, que se estrela.

Assim que a noite o lábaro desfralda,
O pirilampo acende em torno dela
Pequeninas auroras de esmeralda...


A BARATA

Nas fendas e desvãos, em lar humilde ou nobre,
Fora da luz, se esconde a tímida barata.
Se sai do esconderijo e humano olhar descobre,
Prestes foge, e o pavor mais a acelera e achata.

Raro espalma num vôo as asas cor de cobre.
A farejar com a tromba, em tudo põe a pata.
Ladra voraz, não poupa o negro pão do pobre,
Tisna as cartas de amor, mancha o cristal e a prata.

Múmia escamosa, o odor que exala causa nojo.
Cauta, vive a espreitar do fundo do seu fojo
A lesma que rasteja e o pássaro que voa.

Mas raia uma hora azul também em sua vida:
De branco, um dia, acorda! E é bela, assim vestida,
Como a noiva que o amor ao pé do altar coroa...


A RESSURREIÇÃO

Manhã. Junto da pedra oblonga que cobria
O sepulcro do Mestre, anjos estão postados:
Trazem o nimbo astral dos bem-aventurados
E vestes de um alvor de neve que irradia.

Jazem por terra como mortos os soldados.
Chegam mulheres em piedosa romaria.
Surpresa, Madalena ouve uma voz: — "Maria!" —
Reconhecem Jesus seus olhos deslumbrados!

Iluminam-se agora as faces lacrimosas!
Dentro dos corações se abrem etéreas rosas,
Dessas que enchem de aroma azul a Eternidade!

E entre os hinos de glória e de alegrias francas,
Em torno de Jesus, que é todo claridade,
Palpita uma revoada imensa de asas brancas...


NO CAMINHO DE EMAÚS

Dois discípulos vão para Emaús. Em meio
Da jornada, o Senhor se junta aos caminhantes.
Não o conhecem mais. Refletem o receio,
A dúvida, o pesar, seus pálidos semblantes.

"Por que estais tristes?" fala o Mestre. E Cleofas, cheio
De espanto: — "Acaso sois de plagas tão distantes
Que não sabeis que Cristo, o que salvar-nos veio,
Foi morto de uma cruz nos braços infamantes?"

É tarde, a noite cai. Na quietação da aldeia,
Os dois discípulos durante a pobre ceia
Reconhecem Jesus, vendo-o partir o pão.

Jesus desaparece... E dizem: — "Não é certo
Que tendo-o ao nosso lado e ouvindo-o assim de perto,
Parecia abrasar-se o nosso coração?"


A DÚVIDA DE TOMÉ

No Cenáculo. Ao centro, evangeliza o Mestre,
— Esse que do Cedron às praias do Mar Morto
Ia com os galileus, num grande sonho absorto,
Comendo o duro pão, o fruto e o mel silvestre.

E o Justo, que penou no vórtice terrestre,
Ressurrecto, lhes traz consolações, conforto.
Já não é mais o triste exangue Cristo do Horto,
O que sangrou na cruz em uma encosta alpestre.

Tomé, que chega tarde, exclama sem respeito:
— "Eu quero pôr a mão na chaga do seu peito,
Dos cravos nos sinais! Não bastam sombras vagas!"

E eis que um dia Jesus lhe mostra os pés rasgados,
As mãos, o corpo... E crê! Mas bem-aventurados
Os que creram sem ver as sacrossantas chagas...


Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes