|| | ||S|| | ||O|| | ||N|| | ||E|| | ||T|| | ||Á|| | ||R|| | ||I|| | ||O|| | ||||| | ||||| | ||||| | || |
LEMOS, TITE DE
Newton Lisboa Lemos Filho (Rio de Janeiro RJ 1942-1989)
Seguiu ao pé da letra (literalmente, já que foi também letrista) o
exemplo de Vinicius, desempenhando-se tanto no soneto quanto nas
canções. Não é tão rigoroso quanto aos esquemas de rima, mas mantém-se
fiel ao decassílabo, ocasionalmente ao alexandrino. Tematicamente também
limita-se à vocação tradicional do gênero (o amor do bardo a suas
musas) , mas vez por outra se solta em momentos mais francamente
eróticos. Indiscutivelmente domina as técnicas do soneto e honra a
linhagem de seus autênticos praticantes. A amostra abaixo é de sua
última safra, publicada no ano da morte.
[2] 14 tortuosas linhas, 13 labirintos sem fim e sem começo, 12 portas lacradas, 11 vezes forçadas, talvez 10, até me esqueço. 9 questões de lógica celeste ou 8 jogos de adivinhação, 7 ou 6 tentativas, todas vãs, de escutar o que ainda não disseste. 5 metáforas jogadas fora quando quero dizer-te que te adoro. 4 rimas rebeldes, 3 tropeços, 2 tombos e no entanto, finalmente, nada que não pudesse resolver-se em 1 simples bilhete adolescente. [5] Escrito ao vento, sem esmero ou glamour; pressentimento; impulso: se desnude; riscos na folha em branco, errantes; rude modo de declarar-te que te amo. Te amo? Se nem te conheço... Como pode alguém estar certo na incerteza e ter guardada lamparina acesa que lhe aponte de hespérides o pomo? Dom Francisco e o caolho e todos eles viram ferver o sangue em suas veias com finura extremada de grão-mestres. Sou infinitamente mais modesto: que recebas, doçura, é só o que peço, este correio redigido às pressas. [10] A dor de não dizer dói mais que a dor de a ninguém dirigir-se no deserto num palavrório de sentido incerto. Se viver, para mim, fosse indolor, só se a alma houvesse sido surda e cega. Vejo que não me ouves nem me vês por mais que eu te alinhave os meus porquês ao pé de tua vista que me nega o dom mais-que-valioso de te olhar e dizer-te o que mais me doerá se não disser. E "sinto a tua falta" digo e repito nítido e em voz alta, que entre todas as dores que me assaltam só mesmo a de calar ainda falta. [11] .. e seus olhos também eram de luz castanha e própria (e são) e estarão nus bem à frente dos meus perseverantes ou meramente vítimas do encanto de uns olhos de ouro mais do que castanhos, os seus, amor. Conheço mas estranho essas selvagens selvas, essas matas virgens um dia a ser desvirginadas ou não, que sei de tão vastos assuntos? em minha noite-a-noite me pergunto enquanto com meus olhos nos teus olhos folha por folha toda te desfolho. Nem por isso, Olhos Lindos, te deslindo. Tua nudez é tua só, não minha. [14] De tudo e mais ainda a quanto aspiro nada pretendo de verdade afora em minhas mãos tomar-te as mãos agora ou mais logo, sei lá. Por mim prefiro esperar que completes o teu giro em torno de ti mesma e chegue a hora em que a lágrima ri e o riso chora, aquela hora única, suspiro eterno ou quase eterno em sua demora embora de tão breve dure tanto quanto um ai, nada mais, e que no entanto, apressado que fuja, se demora muito se o ouvido dás a quem te adora e ainda mais adorará, senhora. [19] Outro quarteto, só mais um, prometo, antes que aporte uma instrumentadora com sortilégios vários de Isadora quando Florence freqüenta-me em meu gueto. Mais um minueto, um último minueto coreografado pelo eterno agora. Trina o piccolo, ao lado a viola chora a penúltima dose de amaretto. Uma coda, um terceto, o de sair, e não se toca mais no assunto. O morto vai precisar de um pouco de repouso. Nem sei, amigos, como me exprimir... "Fecha e me traz um cálice de porto!" Estou nas redondezas, logo pouso. [22] Fotografei você na minh'yashica antes que a manhã caia e, raio, partas. Não faças manha, és uma entre outras Martas e algo de ti comigo agora fica. Me despeço mas muito significa teres vindo me amar todas as quartas; de chegares bem vi que não te fartas, menos ainda a tua fava, rica. Eram dias arfantes e sangrentos, flores até floriam num deserto... Mais uma pose. Então? Foi tão ruim? Assim, mesmo que imersa em pensamentos, longe, estarás de mim contudo perto, eternamente minha e externa a mim. [23] Filosofei, achei, perdi. "Me explica", pedi, violei o lixo que descartas, fiz companhia às bestas e às lagartas, degredei-me de mim na Martinica. Te agrido com meus punhos de pelica treinados em aspérrimas Espartas e acabo a suplicar-te que compartas migalhas de tua mesa. Esquece. Estica uma linha, pendura os sentimentos, lampejos de lanterna a céu aberto. Outro close! Ai, velou. É mesmo o fim, vão já sumindo ao fundo, pardacentos, os pardais. Não faz mal, um dia acerto o nome e o sobrenome do jasmim. [30] Sou quem te hospeda e sou quem te devasta, o teu avesso atrás da testa exposta; quem te detesta e ao mesmo tempo gosta dos teus arcos airosos de ginasta. Tua alma atada à minha é a sua oposta e é só aparência se uma à outra basta. Tanto da tua dista a minha casta quanto de um horizonte dista a costa. O que a mim me aconchega a ti te assusta, não compareço nunca a tua festa, não porque em teus convites não insistas. E enquanto te emaranhas na vetusta imprestável questão: presta ou não presta? escolho desaparecer das vistas. [40] Em suas mãos e a seus pés estou contido e me atiro, no chão gelado e duro. Nem por isso ando triste ou ressentido. De tudo, salvo de te amar, me curo. Outrora o mundo teve algum sentido, ou era porque então, de mim seguro, não reparei que houvesses existido. Pois é, meti-me em delicado apuro. Mostra-me agora a porta de saída se em tua casa não queres acolher-me e me confundo pelos corredores. Poupas assim ao menos minha vida, senão ela, onde em mim possa perder-me no que de mim ficar quando te fores. [44] Frágil fera, tão fria e feminina, não sei se sonho ou, antes, pesadelo... Arquivo-o mas acabo por revê-lo, que sua força, mais forte, me fascina, artifício de fada, cega sina, ferina e amável, fixa idéia, anelo fundo na alma, fetiche a que me atrelo, fagulha que me acende e me fulmina. A vida, feia, dela se embeleza e a fronteira se alarga que era estreita. Há tanto por fazer que nunca fiz! mas prisioneiro em teu xadrez, princesa, bem diante de ti meu rei se deita no chão rendido aos pés dos teus ardis. [64] Só por amar, amava novamente, mesmo que amor ao fim me desamasse e, gravando o desgosto em minha face, me fizesse implorar por morte urgente. Nada que fiz faria diferente, ainda que pudesse um desenlace doloroso prever e que faltasse de todo amor à amada indiferente. Dores são velhas, velhas as estradas, cada uma de mim tão conhecida que ao coração não trazem mais temor. Quantas vidas a mim me fossem dadas, em todas viveria a mesma vida, amando apenas por amor do amor. [66] "Cangalho de 47 outono-invernos...", calcula e aposta a senhorita num muxoxo e acerta em cheio enquanto, como os monos, ternos, lhe faço "Olá!" com meu caralho rijo e roxo. Só os amores de pica, diz-se, são eternos... Não creia então com pressa que fulano é frouxo sem ver quanto se estica, qual terceira perna, dilata-se e se mela a fim de um coxa-a-coxa seu rei davi perante o Bicho-cabeludo. Nem que fosse careca, o cavalheiro andante faria de si mesmo a montaria e nela, a Maja, montaria em manta de veludo ou no assoalho tíbio, inóspito, angustiante... Já te conto que foda, irmão, que foda aquela... [75] Me olhas com o rabo do olho enquanto encaro firme o magnético olho de teu rabo. E de olhá-lo me alago logo e babo ante o lorto magnífico, ancho, raro. A chula fala gala-me o disparo de gosma pelo ralo do lavabo. Rala é a relva do pasto onde te enrabo mas basto o pentelhal vizinho. Apara-o com tesoura amorosa e jardineira. Meu linguajar, tesouro, tuas partes todas, outra após uma, quer tocar, deixar-te louca ou da loucura à beira. Se me dou a tais (belas? Malas?) artes, é por amar arreganhar-te o olhar. [79] Quero que meu soneto seja dócil ao olhar preguiçoso de quem passe e não mais que movido pelo ócio lhe remova o make-up e exponha a face. Que use trapos de túnica inconsútil mas do princípio ao fim se entregue, táctil; mostre-se fácil, descartável, fútil. Consistente não seja, antes volátil, nem o engrinaldem flores de alfabeto. Pelos charcos se arraste como réptil até que do alto enfim, compadecida, alguma divindade as asas dê-lhe que o levem para lá da própria vida enquanto a minha atiro às brasas dele. [80] Última prova de alfaiataria, precisas formas, conteúdo oculto. Despi-lo, quem, por Deus, diz, ousaria sem cometer deliberado insulto? Em Getsêmani, à aurora ou era ocaso o que as sombras versavam no jardim onde do teu gelado beijo abraso-me? , por um instante atino com o que vim fazer aqui. Sei, já me inquirirás. Não o faças, nunca. Nunca aclararei a razão de razões irracionais. Por que, queres saber? Porque sou o rei de não saber quem sou nem quem serei e de, ainda mais, quem és ou quem serás.
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |