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Pedro Xisto Pereira de Carvalho (Limoeiro PE 1901-1987)

Lapidando desde o decassílabo branco até o alexandrino camoniano, Xisto poderia ter lavrado sua inclusão no rol dos que, na geração 45ista, recuperaram a parnasianidade do soneto. No entanto, voltou-se para a experimentação de vanguarda e para a visualidade. Nesta amostra, o primeiro soneto (composto em 1953 no Canadá) saiu em 2000 na revista MEDUSA; os demais são inéditos (do período 1944-55), garimpados pelo poeta Marcelo Tápia numa pasta de originais que o próprio Xisto lhe confiara por ocasião de seu trabalho editorial na haicaística antologia PARTÍCULAS (1984). O próprio Tápia depõe em março de 2003:

"Tive o privilégio de editar o último livro do poeta Pedro Xisto, PARTÍCULAS, em 1984. Mais do que isso, pude conviver, durante o período de edição, com esse [...] autor de alguns dos poemas mais significativos já produzidos pela denominada vanguarda brasileira. Engajado no movimento da poesia concreta, seu trabalho, no entanto, guardou certa autonomia em relação ao movimento, e, exatamente por suas características diferenciadas, conquistou um lugar único no campo da criação poética gráfico-visual: seus "logogramas" são um exemplo de inventividade e rigor de construção como, talvez, nenhum outro autor tenha alcançado. Não é à toa, diga-se, que algumas criações dessa série figuram em todas as antologias internacionais de poesia experimental — caso do poema "Zen", que chegou a ser estampado em camiseta no Japão... Mas Xisto não produziu só poesia experimental: criou uma imensa quantidade de haicais, e a eles, inclusive, dedicou o derradeiro PARTÍCULAS. Mesmo no livro CAMINHO (1979), seu principal trabalho, convivem os poemas visuais e os haicais, à semelhança do seu volume de estréia, HAIKAIS & CONCRETOS (1960). Antes do trabalho influenciado pela concisão dos poemas clássicos japoneses e pelo movimento da poesia concreta, Xisto produziu poemas em versos, que permaneceram inéditos, a não ser por publicações esparsas em periódicos. Embora distantes de sua produção posterior, tais poemas revelam, já, a opção pela concisão e pelo cuidado laborioso da linguagem, como se pode observar nos sonetos (colhidos em uma pasta de inéditos do autor) apresentados neste SONETÁRIO. Que seja, esta amostra, uma incitação ao conhecimento da obra do poeta, injustamente pouco lembrado neste país muitas vezes marcado pela desmemória."



[ININTITULADO]

Passam monges de lentas esculturas.
Os gestos, vai silêncio descarnando.
De círios fêz-se a tarde. E o cantochão
é pátina dos lábios e seus muros.

Êsses coros - do rito, suma e sombras;
êsse horizonte em corte assim noturno;
essa grã-serrania além do mundo;
essas ausências tôdas, ai! que assomam.

Ásperas lãs reclusas entre as neves
e os linhos derradeiros sob a cal,
baixados os capuzes, inda seguem

aonde são os ângulos inermes.
A procissão das formas se perfaz.
E eis que o tempo é chegado da Palavra.


SOLEDADE

Sobre a tarde me aplico. As sombras ou trabalho
como quem plumas colhe: as almofadas ponho
nos cantos vivos; toda a casa espera o sonho;
e a nuvem de alto mar é ninho no carvalho.

Mas, inda, Soledade, eu não sei do tristonho
carinho - último toque, a modo desse orvalho,
pelo vazio olhar de mármore que talho.
E, insone e vago, em vão a mim me recomponho:

Os braços abre o rio e se perde no estuário;
A despedida face, inclina o girassol;
Ao pé do mastro a vela hesita; o leme é vário;

e tão alheia a espuma; em névoas cego, o sol;
de longe cai o vento — o gratuito sudário.
(Sobre nós dois, que fria estendes teu lençol...)


UNIDADE

Do crepúsculo as faixas carregadas
eu desato, as primícias perseguindo
do sonho a que se volva o dia findo
(já não terá o rei suas espadas).

De toda diferença, ora, prescindo:
disputem outros sobre as bem-amadas
(ai! alma, em dúbio sangue sobrenadas...)
ou se é o rosto, sob os véus, mais lindo.

A pouco e pouco, afrouxaram-se estas malhas;
os olhos as trespassam, de tão falhas;
e um só, de volta em volta, o meu caminho.

As mãos, eu pouse — ó Vida! — em frescas toalhas
eu, contra o peito, quando me agasalhas
definitivamente, sou sozinho.


SONETO DAS ENTRADAS

Da terra dos palmares rompe as barras
verdes (entreluzindo, um ouro puro...)
ó Luso que, do sonho sob as garras,
proa trouxeste contra todo escuro.

À tua espera vês porto seguro;
e a nau, senão teu peito, logo amarras.
alto, o cruzeiro queres; largo, o muro;
longo, o beiral em ninhos e guitarras.

À lua cheia, tens lençóis macios,
de que despertes bem com os estios
quando se avulta a pátria nova, estuante.

Os sete mares, troca pelos rios
sem conta nem medida. E corre, adiante,
ao chamado da terra, ó bandeirante!


Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes