Poemas de Marcelo Tápia Poemas
    de
Marcelo Tápia

 

Primitipo (1982)

 

Respingo

 

Paztixo

 

 

clique para abrir o poema "Ond"

 

O bagatelista (1985)
                      



balbucio

mas tigo com'um quase -digo: di giro lás ti mas
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aqui o verso ato lou (sem cura)
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mergulhar o o ar no espehlo enfiar a c a no buraco
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arrancar prematuro da alegria o ag'ra futuro

 

 

Rótulo (1990)
                      



palavra

partícula grão-de-pó vírus não há micropalavra o verbo é macrocosmo mesmo do minúsculo engrandece o que é oculto só pode ver-ouvir se diz demais o diminuto o instante é sempre longo a letra nasceu sintoma quantifica toda origem a palavra megalografa tudo
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ismos

megalomania de pobre de espírito é espiritismo megalomania de podre de rico é fascismo megalomania de rico de espírito é virtuosismo
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segunda classe

de manhã média com pão e manteiga no almoço dieta da quantia média o dia todo média com o chefe pra não ficar abaixo da média dos ordenados no estacionamento taxa de carro médio meio tanque cheio a volta pra casa em velocidade média rádio ligado em ondas médias na chegada metade uísque metade água média mensal do filho na escola a cara metade fala de ofertas com 50% de abatimento novela o divertimento (gosta daquela entre a das 6 e a das 8) depois do banho morno panos quentes nos desentendimentos um coito de meia hora pau tamanho médio meio duro, gozo mediano deitado de meias na metade da cama o jornal da tv: mass-media pra ficar por dentro da vida
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quem sabe um dia, babel

no Brasil se fala espanhol para spielbergs e zeffirellis para o americano comum para o mercado comum europeu no Brasil se fala inglês para a sanduicheria e o free-lancer para o jeans da loja do shopping para o ok do marketing o Brasil é um país português para a academia de letras para a piada para o pão nosso de cada dia o Brasil é um país plurilingüístico para o bairo da Liberdade, o Bom Retiro para os letristas de rock (vende-se talentos) para o poema em esperanto o Brasil é um país único para o berço de um poeta intraduzível para a cama de multi-escritores (traduzidos em todas as línguas) para a morada eterna das possibilidades
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guardião do fogo

para Luis Dolhnikoff confio-lhe a sorte de meus poemas desfeitos confio-lhe o suporte de meus defeitos confio-lhe meu rótulo de poeta meu delírio de asceta meu chiste de esteta confio-lhe de olhos fechados a morte de minha ilusão do mito confio-lhe, amigo com alívio (presente de grego, valor estimativo) a integridade do meu lixo
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dístico

a dura verdade dura a falsidade
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3,3 semanas de amor

te conheci no dia universal do doador de sangue te comi no dia universal contra a aids te ganhei no dia do relações públicas te exibi no dia mundial da propaganda te emprenhei no dia nacional da família te prendi no dia da declaração universal dos direitos do homem te liberei no dia do reservista te flagrei no dia do vizinho te quase bati no dia da marinha mercante e do salva-vidas te perdoei no dia da confraternização universal te enganei no dia do fico te mereci no dia do enfermo te cortei no dia dos tribunais de contas do Brasil
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instruções

no shampoo se lê deixe agir por alguns momentos no analgésico se lê de um a quatro comprimidos na receita se lê açúcar a gosto no poema se lêem de um a mais sentidos
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expiração

palavra é alma alma é ar o poema é ar-te

 

Pedra volátil (1996)
                      


meia-vista

metade fechada, metade aberta de um lado para dentro, de outro para fora dos livros à cidade minha meia-vista perpassa de um passo o salto da memória ao aqui-agora: tudo o que vi antes aponta o dia distante, típico, escondendo, à vista longínqua, dentros onde a vida acontece, se esquece, perece ou se enquadra na memória
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tremeluz

A nossa alma possui uma fenda que, quando se consegue tocar, lembra um valioso vaso descoberto das profundidades da terra Cada forma é tão instável como uma nuvem de fumo. A mais imperceptível alteração de uma de suas partes transforma-lhe a essência. Kandinski verdades eternas atingem-se com um sopro como um dardo ao alvo arma-ar sobre o éter insuflando a chama: é o tremor instável ou a extinção de um só golpe almas mudam ou emudecem ao sabor do vento
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factu / fictu

para Bóris Schnaiderman pois é, bóris "mais uma vez, o fato cru aparece mais forte que qualquer criação artística" a notícia no meio da memória: CADÁVER DE MENINA NO TREM FANTASMA (personagem cúmplice do destino?) obra viva, definitiva, máxima de autor bestial, primevo que ignora o simulacro, a ilusão da palavra?
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retidão

para a vida ser reta é preciso abandonar todas as curvas para a vida ser reta é preciso abandonar todas as curvas para a vida ser reta é preciso abandonar todas as curvas para a vida ser reta é preciso abandonar todas as curvas
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pedreira

para Paulo Leminski o tempo pós o fez diverso: pedra eterna, fixa dura, pesada imóvel, muda cega, surda mas perene sólida como sua vida poesia pura do tempo pedra-chama teimando eternamente como alma consistente
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a pedra volátil

A trombada do fim do mundo (...) Um cometa baterá em Júpiter (...) (...) Se fosse na Terra a vida acabaria - e isso pode acontecer revista Veja, 13 de julho de 1994 pedra de fogo furo do abismo olho de soco projétil sísmico pedra que voa sem ar sem nada a esmo certo além da chegada umbigo atômico elo infernal bafo de satã vento do mal vapor de pedra alma do avesso dentro de fora fim do começo começo do fim dias contados destino volúvel do passado: nosso dia chegará volátil sem data sem dia inevitável? a pedra do chão cairá do céu um céu pesado enorme e cruel crescendo de dentro do final — um gérmen alheio original?
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essência falsa

as lojas de essências da rua tabatingüera e da rua silveira martins na sé em são paulo (e afins) são um modelo mítico da nossa era: o totem da verdade caído por terra dá lugar ao frenesi da imitação um por um de cada aroma que era é agora quase tal qual, a não ser por um senão a marca vira tipo e o que era espécime se torna espécie cada nome vira público e o que era único se torna série o milagre da multiplicação se instala para qualquer um e o que era distante da mão cai na mão como um fato comum a fórmula do tal perfume se obtém sem entrave mas sua essência permanece posse falsa de algum dono falso da chave tudo se chama como se quer e é tudo como se fosse; além do perfume, o whisky, o cognac, o liqueur se fazem sem o tempo de amadurecer a coloração se faz com caramelão o sabor com o aroma, o açúcar, o álcool — a química da depuração da simulação criando a realidade dúbia, virtual do igual nestes tempos de reproduções mesmo as palavras, mesmo as ações o que se diz, o que se faz ora é ora não é ou é o que se faz o que se diz cada coisa que se denomina pode ser o simulacro do que se designa ou o que se resigna como o simulado: o verbo sublimado e recondensado em significado
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cidade-luz

metrópole: elétricos astros encobrem escuros buracos de pedra (1983)
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céu de mil e uma noites

Se eu não fosse poeta seria astrônomo por certo. Maiakóvski (trad. A. de Campos) olho o céu e vejo um céu antigo como aquele que eu tenho comigo desde que o mundo era o meu umbigo um céu de tecido azul escuro com os pontos de luz em furo e uma meia meia-lua de futuro nesga, um rasgo fino reluzente numa renda quase transparente com o vulto do clarão ausente crescente sobre o pano profundo que conquista um negrume de fundo quanto mais e mais cai com o mundo e se consome o vermelho púrpura (desvanece a cor à ausência pura) quanto mais e mais o brilho fura

 

Inéditos
                      


música das esferas

gire a música em todas as esferas: passeie no som das ondas que ferem a pedra, na voz do vento que ergue a terra, no silêncio que se perde na imensidão, no canto dos canários, no piu dos pintos, no guinchar dos ratos; vagueie na verberação dos arcos, no retinir estridente dos pratos. atinja o profundo do poço e o cimo de tudo, do verso ao reverso íntimo do ser, toda magnitude e o mínimo do mundo, do seu começo ao seu fim. gire a música em todas as esferas: (de não a sim, dos outros até mim) do mais perto ao eterno dos confins
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ondeio

(cantiga) como restar-se um grão na avalanche do tempo? como inscrever um a na mancha do cimento? como riscar a nuvem de acontecimentos? como manter-se onda no uivo dos ventos?
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todo dia

fico à procura, poesia de uma fresta no meu dia em que quieta se encaixe, viva, e sobreviva ao mesmo dia de tijolos iguais, vazios, feitos do que se pensa mínimo, dia-a-dia feito em ciclos vãos, refeitos de vícios
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fazer fazer-se

Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. C. Drummond de A, é, drummond, existem palavras que se desejam um poema mas se ora posso perscrutá-las ora só me vêm num dilema os conflitos de seus sentidos por vezes me paralisam e o que podia ser sentido é pensado em desavisos quando, no entanto, se improvisam e me vêm sem aviso prévio, armam-se emaranhado vivo que me pedem por intermédio mas ser o meio não me isenta de fazer sim valer-se um verso que por si só só se contenta se se me dita e eu converso
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(des) classificado

poema solitário liberal bem dotado de metro enxuto busca rimas raras (para não dizer ricas) não-comprometidas afins com versos e reversos livres para compor uma redondilha maior descartam-se, por pura veleidade, exdrúxulas e priapeus; e, por impura vaidade, de troqueus só se aceitam os meus 1998
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a luz da visão

nas palavras os buracos negros são os traços — sulcos que engolem a luz, convulsos, e a matéria do meu ato riscos finos são a boca do abismo: elo-início findo o precipício seu ser afunda o sentido que redunda: laço-umbigo em si corcunda o eu que retumba tragado devolve o ser que some e revive conforme a luz que o inunda
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viagem

a imagem de uma estrada longa a qual não sei onde vai dar me arrebata como uma onda sem início, espaço ou lugar: sem tempo, sem ter pra onde ir a visão me alarga o horizonte — em vez de acorrentar-me ao ontem traz-me agora o que está por vir a sensação de plenitude se abre numa estrada aberta e todo sinal de inquietude retransforma-se em descoberta a aspiração não cabe em mim e se dá asas só assim: sem saber por que foi que vim ela me abarca no sem-fim
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eu

viver a minha vida e viver a dela, a dele, a deles, viver as vidas que me convidam a convivê-las: sobrar sobras de um só, restar partes de um par, ser fragmentos da mente — iludidos de estarem unidos, pretenciosos de se terem recíprocos, juntos em uníssono — vida dividida à cata da identidade repartida
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fresta

fechar as comportas da fala e abrir uma fresta por onde passa só o que resta da mistura concentrada: uma possibilidade uma vontade um quase nada

 

Marcelo Tápia?

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Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: Elson Fróes