O CORVO
Numa noite assim tão prava, quando, fraco, a mim cansava Cum tratado mui singelo dum folclore além do inglês Quando, ao ir e vir, na noite, veio aqui do nada o açoite Feito alguém que em meu pernoite bate à porta e sem rudez “É visita”, falei baixo, “cá na porta e sem rudez É visita e sem porquês” Ah, e assim a mim consterno vendo estou no pleno inverno Toda vã poeira morta finca o pé em mim qual fez Tal querer que enfim viesse tal manhã, e a sua messe Qual nos livros eu fizesse meu reduto dessa Inês Pois a rara e lhana moça dita pelo céu Inês. Tem que nome aqui, que vez? E esse lento, e triste, e incerto, negro desse véu aberto Pelo vento que a mim toma qual de mim ninguém o fez Tal que, a seu calor manter-me, faço atrito à velha derme “É visita que a mim quer-me vir pra dentro e sem rudez Vem-me tarde como os vermes vêm à porta e sem rudez É não mais e sem porquês” Pois então cresci mais firme, como a moça fosse vir-me “Moça ou moço, eu peço logo, por favor, conte até três Pois você na meia-noite foi não mais que aquele açoite Foi não mais que o seu açoite no meu sono e sem rudez Que eu, inferno, achei ouvi-la”, te abro a porta, e com rudez Só o escuro teve vez E há, com tal dama-da-noite, quem não ceda ou, bem, se afoite Nesse sonho tão confuso que ninguém jamais o fez? Meu silêncio não tocado, sem indícios de um passado Que esse verbo mal chorado, tão sozinho, o nome “Inês?” Que eu chorei, e o tal vazio deu de volta assim “Inês!” Só teu nome teve vez Já no quarto, revirou-se minha mente e assim pensou-se Quando ouvi sem mais demora, o mais sonoro que se fez “Deve ser”, me disse, “deve, coisa à qual, pois, vejo breve Na janela a quem se atreve, tal mistério, aqui nos eis Deixa o peito dar mornada , pra, ao mistério, aqui nos eis Só o vento vai ter vez!” Cá aberto dou pra trás, quando, sem porquês ou mas Lá pairava então um Corvo de idos dias, anos, mês Sem fazer nenhuma sala, nada o para ou mesmo abala Com tal ar de quem tem aia, vem pra dentro e sem rudez Olha pela imagem Dela, sobre a porta e “sem” rudez Olha e senta e sem porquês. E a ave sem mais cor ficou-se; cada ruga, então, bem foi-se, Ri-me dessa compostura, tal decoro em tão chã tez “Mesmo sem a pena, o pejo, tu bem foste qual almejo Corvo velho a que ora alvejo: diz a estirpe e sem mudez Vens da noite, é claro, diz-me, pois, o nome e sem mudez” Disse o Corvo “Foi-se a vez” Tanto pasmo então me veio, vendo um bicho achando um meio De uma fala e sem enleio, mesmo à guisa de um burguês Como? Sem sentido. Pôs-se, nisso, creio, concordou-se Pois é raro (ou só mostrou-se) gente com ou sem rudez, C’ave ou besta sobre a porta, com ou sem maior rudez, Cum tal nome: “Foi-se a vez” Mas o Corvo, só, sentando, nessa queda imagem quando Tais palavras repetia qual se a mente ali talvez Fosse pôr, não mais falava, não sem pena ou não mostrava, Nada disso a mente brava “outros meus se foram, vês? Vindo o dia, irás partir-te, qual m’a fé partiu, não vês?” E ele disse “Foi-se a vez” Perco o tino, a calma morta por resposta tal que importa Nessa fala “com certeza só responde uns bê-a-bês Ditos sem mais dó ou penas por um dono seu apenas Nada menos, nada amenas, dá seu fardo em tal gaguez Duma Fé a tal Desgraça, dá seu fardo em tal gaguez: Foi-foi-foi-foi-foi-se a vez?” Mas co Corvo a facha foi-se, cada ruga em mim passou-se, Hirto vou pra frente à ave, e porta, e foto, e sem rudez Já no tão tenro veludo, penso e penso sobre tudo Que esse bicho de ar sisudo diz há dia ou ano ou mês Diz terrível, vil, cruento, diz há dia ou ano ou mês Diz em grasno “Foi-se a vez”. Em pensar, sem ver se foi, se, lá no Corvo, algo ficou-se Qual ficou por cá no peito, nesse Corvo tão soez Isso e mais em mim passou-se, sem mais fé, corpo froxou-se Pois no tal veludo doce, que essa luz tocou cortês Nesse tal veludo doce que essa luz tocou cortês Ela ali, bem, foi-se a vez Pois bem vi meu ar mais denso qual queimasse eu nele incenso Qual piano os céus me deitam cada pé, e eu só “vocês, Anjos por Deus cá mandados para dar-me a tais bocados, Pra dar folga dos passados, tais lembranças dessa Inês Folga, esquece, e sente alívio, dá remédio à minha Inês” Diz o Corvo “foi-se a vez” “Mau agouro, bicho ou sanha, desse agouro que abocanha Seja o fim do meu mormaço, seja o próprio seis seis seis Sem ninguém, mas com fantasmas, terras vis, cê, vê, refaz-mas Nessa casa o Horror das asmas – diga logo e sem surdez Há no mundo algum remédio – diga logo e sem surdez Diz-me o Corvo “foi-se a vez” “Mau agouro, bicho ou sanha, desse agouro que abocanha Pelos céus que nós fitamos, pelo Deus no qual bem crês Pr’essa vida tão sentida, dantes da maçã comida Tem retorno, ou mais saída, tem de volta a moça Inês? Tem a rara e lhana moça dita pelo céu Inês” Diz-me o Corvo “foi-se a vez” “Que esse dito seja o açoite para o bicho ou sanha, foi-te? Vai de volta para a Noite negra como a tua tez Vai sem pena, a tal mentira que contaste não revira! Meu silêncio sem mais ira dá de volta sem rudez Meu vazio peito sem ira dá de volta sem rudez” Diz-me o Corvo “foi-se a vez” E esse Corvo não nos foi-se, fica ali qual pronta foice Sobre a imagem de quem foi-se por tal porta sem rudez Cum olhar tão como a Noite, desse inferno que ninou-te E essa luz que a ti tocou-te faz-lhe u’a sombra não cortês E essa mente pela sombra paira sem mais ar cortês Vai ser livre? “Foi-se a vez”
trad. Wilton Bastos - 2017
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no blog ESCAMANDRO 22/07/2017