O Caldo Berde
de Furnandes Albaralhão
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EXTRA! EXTRA! EXTRA!
Encontrado exemplar do Caldo Berde!

 

Atenção pesquisadores!
Leiam a seguir uma mensagem enviada a Pop Box.


Date: Wed, 25 Aug 1999 21:16:01 -0300
To: efres@sti.com.br
Subject: Caldo Berde

" Meu caro, sou a proprietária (ou melhor, a fiel depositária) do exemplar 0638 do livro Caldo Berde, que, até antes de acessar seu site e outro, do alfarrábio digital, tinha informação de que havia sido escrito pelo Barão de Itararé. Meu pai comprou o livro em um sebo na cidade de Pelotas (RS), em maio de 1961. Seu primeiro proprietário assina uma das páginas em 1934, creio que logo após a publicação. Apesar de seu estado não ser dos melhores, creio que está bem melhor que o apresentado no site do alfarrábio. A capa está completa e a contracapa traz uma interessante relação de "uvrinhas à benda na Libraria Alfacinha", de outros supostos autores que não sei se existiram de fato e livros que certamente nunca foram escritos, como "O ripolho e suas cunsiquencias guezózas", de Julio D'antes; "Inganando u próximo - Aligurias", de Pinto Cartola. E por aí afora. De resto, o livro está interinho, com suas 104 páginas de textos, índice e a informação de onde foi impresso - Graphica Ypiranga, rua do Senado 8, Rio de Janeiro. Terá sido isto mesmo?
saudações
"

 


Cáin é iele: "Quibaleiro da Ordem 3ª da P'nitencia, P'risidente rimido da Rial Suciedade dos Phutographos de Lisvoa, Sócio du Vasco, cundicurado com as siguintes incumendas: Istreila de seis vicos du Alemtejo, Grã Cruz de páo inbirnisado do Porto e muitas Minções Hunrosas."


Alguns pinsamentos e dictados d'O Caldo Berde:

  • "Cáin diz qu'um kilo d'algodão é a mesmo coisa qu'um kilo de chumvo, nunca biu Arithmetica ou sciencias adjacentes." — Varão de Saabedra.


  • "U gato sáim u ravo, é gato. U ravo só, sáim u gato, num é gato" — Filinto Ilysio


  • "O amôre é uma coisa que cando dá n'uma p'ssoa, ella fica logo vesta. E si a p'ssoa já é vesta antao nám se fala." — Ulibáira Salazáre


  • "A mão táim cinco dedos. A que táim só quatro, falta-lhe um." — Antero de Quintale


  • "Cáim é rico é rico. Cáim é pobre que se dane." — Antônio Novre


  • "A cera do oubido não é a avelha cáim a faz! Tamvem era só o que fáltaba!" — João Luzo


  • "A lágrima é um líquido quente que a gente expél plu glovo bisuale cando soluça." — Candido Figáiredo


  • "U savão é uma suvstancia iscurregadia e ispumôsa, que só serbe p'ra sujáre a iagua do vanho." — Varão de Peixoto Serra


  • "Digam lá o que dissérem! Mas u arrôto é de uma nicissidade primente e insuvstituibel." — Niculau Tulintino


  • "A lucumutiva é uma mánica que apita, faz varulho, mas que só anda impurrada p'lus bagões." — Eça de Quáiroz


  • "A gente cando é, é." — D. João VI


  • "A barbuleta abôa, bê-se, mas cando bira lagarta, abôa uma óba!" — Pedro Albes Cavrále


  • "É masmo uma pena u sol nascêre de dia! O dia, de si, já é tão claro!" — Adriano Ramos Pinto


  • "Óhh!, Raiush... — Juaquim, ao escorregaire em uma b'nana.



  • SONETO CRÁSSICO
    Ao Quemões

    Cáin diz qu'um kilo d'algodão é a mesma coisa
    qu'um kilo de chumvo, nunca biu Arithmetica
    ou sciencias adjacentes.
    VARÃO DE SAABEDRA

    Sete anos de queixeiro o Zé sirbia
    Na benda du Jaquim, um lusitano
    Mas num era u Jaquim, que ele quiria,
    Era u dinhâiro dele! Que magano!

    Anos e anos na espr'ança de um só ano,
    Passaba e a vurra nunca averta bia.
    U Jaquim, nuguciante suburvano,
    Do queixeiro, talvez, se precabia.

    Bendo u Zé que u patrão, impirtinente,
    Nunca lhe disse a iele: — A "vurra é bossa!"
    Nunca a honra lhe fez de tal cumbite,

    Cuntinuou sirbindo-o vrandamente
    Dizendo: — "E sirbirei até que possa
    Pingar-lhe u covre todo e dáre u suite!"

     

    UBIRE AS ISTRELAS

    A instrunumia é uma ciência aérea que
    estuda as rilações internacionais entre os planetas
    e os seus similhantes.
    GINIRAL GRAMONA.

    - "Ora, dirâis, ubire estrelas... Passo!
    "Num póde sêre!" E eu bus dirâi: — "Aflito
    "para ubí-las, acordo, olho p'ru ispaçu,
    "tiro a cêra d'ubido com um palito,

    "i cumbirsamos, digo-lhe e rupito,
    "até que rompe a uróra. Aí, que eu faço?
    "Bou miter-me na cama, quensadito,
    "com uma dôre infadonha nu queichaço.

    Dirâis, agora: — "Isso é tapiação!
    "Cumu é que podes tal cumbersa têre
    "cu'as istrilitas que tão longe estão?

    E eu bus dirâi: — "Amâi uma quechópa
    "váim nutrida, sucada e habeis de bêre
    "e ubire istrelas de pagóde! É sópa!

     

    CRIOILAS MORTAS
    Ao amigo Ulabo Vilaque

    A lágrirna é um líquido quente que a
    gente expél plu glovo bisuale cando suluça.
    CANDIDO FIGÁIREDO.

    Cando uma preta morre, um cumeta aparece
    nobo, a andáre nu céu, mustrando u ravo à gente,
    e a ialma da difunta, acesa, pirsistente,
    nu supradito ravo agarra-se e istrimece.

    Ó bós que andais na farra! Ubi-me, finalmente!
    Tudo isso que fazâis assim qu'a noite desce,
    bai-se ubire nu céu e S. Pedro, parece
    que não gosta de bêre u qui não é dicente!

    Namurados qu'andais co'a jiqueta châirando
    a vudum de crioila e andais vus incustando
    p'lus muros, pula rua, entra mês e sai mês,

    piedade! Elas beem u bósso ispalhafato!
    Piedade! Que diavo! Isso ufende u ricato
    das que biberam sós, sem mâsmo um purtuguês!

     

    BISITA À CASA DU MO PAI

    É impriscindíbel que não se confunda rabulação
    intistina com rabulação intistinále. O varulho
    da mitralha é muito dif'rente!
    GÓMES LIÁLE

    Como um pardal que bólta para u ninho
    dispois de andáre pur aí além,
    eu quis tamvém ribêre Santarém,
    u meu primâiro e birginal cantinho.

    Pinitrei. Um fantasma, com querinho,
    que era, talbez, a assumvração d'alguém,
    pigando-me p'la mão, disse: — "Meu vem!
    "Bem cumigo!" E lá fomos, de mansinho...

    Era aqui nesta alcôba, o dia intâiro,
    em que eu vrincaba d'iscundêre, e tanto
    que punha fora os vófes... Um v'rrâiro

    eu fiz logo, contra u meu disâijo.
    Una pulga churaba em cada canto.
    Churaba em cada canto um pulsebâijo.

     

    CIRCUITO BICIADO

    Em cada sêre humano, se perpetúa u
    cungraçamento das upourtunidades.
    QUEIMÕES

    "Guiando um vonde, gimia inquieto maturnairo
    — Ah! Si eu fosse o fiscale aqui dessa meléca...
    "de prazere, nem sâi... tumaba uma queméca..."
    Mas o fiscale ulhando o vurro do dinhâiro

    Do chefe du iscritorio: — "Imbéjo-te, parcâiro!
    Se eu fosse como tu, câ farra! Câ panqueca!
    "Comia tanto, que rivintaba a cueca!"
    Mas o chefe a fitare a pança de bendâiro,

    do supirintendente : — "Eu não ser mais maiore!"
    "Não têre o que tu tains! Não tere o teu dinhâiro!"
    E o supirintendente a limpáre o suóre

    — "Iscrebo como um vurro! É a noute! É o dia intâiro!
    "Entra sol e sáe sol! Não ha coisa pióre!
    "Ah! Câim déra que eu fosse um simples maturnâiro!"

     

    MONOLOGO DE UM BEBEDO

    "Diante de seis garrafas esgotadas
    De cerveja, o Cazuza reflectia:
    — "Transtornam-me a cabeça, todo dia,
    "Por este mundo as coisas espalhadas.

    "Acho do Omnipotente, bem mandadas
    "Mãos e pés para nós, que serventia
    "Têm num caso de briga ou valentia,
    "A espalhar ponta-pés e bofetadas.

    "Mas em vez de dois pés, um pé sómente
    "Nós deviamos ter, que um, caminhando,
    "Faculta-nos o andar perfeitamente.

    E o Cazuza falava, sem cançar.
    Mas da mesa ao erguer-se cambaleando,
    Desejou pés em penca para andar."

     


    Quem é Furnandes Albaralhão: Horácio Mendes Campos, que publicou em 1930 o livro de humor Caldo Berde em que apresenta sátiras, paródias de sonetos famosos e pensamentos com linguagem macarrônica, bem à moda do pré-modernista Juó Bananere (visite também o site: Juo Bananere, poeta, barbiere i soldato). Alguns trechos de seu livro foram reproduzidos na revista A Pomba na década de 60.

    "Horácio Campos é um dos muitos colaboradores quase ignorados de uma das várias fases de "A Manha", o jornal humorístico e satírico de Aporelly. Na "A Manha", na mesma fase em que êle, escreveu também Saul Borges Carneiro, com o nome de Barão d'Ascurra. Em outras fases — diga-se incidentemente — também na mesma fôlha humorística escreveram José Lins do Rêgo, Valdemar Cavalcanti, Rubem Braga, Joel Silveira, Carlos Lacerda, o organizador desta antologia, etc. Usando o pseudônimo de Furnandes Albaralhão, Horácio Campos fazia, com muita arte, o suplemento lusitano de "A Manha", escrevendo paródias de poetas portuguêses e brasileiros e composições de sua inteira inspiração. Chegou a reunir parte delas num livro delicioso, publicado com o título de "Caldo Berde". Foi, em relação aos portuguêses, o que era Juó Bananere em relação aos italianos. Tendo desaparecido ainda moço, seu livro, nunca mais reeditado, é hoje uma verdadeira raridade bibliográfica, tanto mais que nem a Biblioteca Nacional dêle possui exemplar."

    R. Magalhães junior
    (in ANTOLOGIA DE HUMORISMO E SÁTIRA, Ed. Civilização Brasileira, 1957, p. 309)

    "Como Juó Bananére no mascavo paulista-carcamano, Furnandes de Albaralhão, com o Caldo Berde, já em 2ª edição, teve êxito merecido, trocando o português do Rio de Janeiro, comendador, matriculado, sócio do Basco, amador de petisqueiras, verdasco e mulatas, que o brasileiro não perdôa patrioticamente trabalhar aqui para a propria e a nossa prosperidade. Mas estes beliscões têm graça, nos aliviam e a pel' del's é tan chaia d'in xundia, que não faz mossa. Se eles tiverem "humour" refletirão como aquele aguadeiro galego da Bica da Rainha que escrevia para a terra: "aiagua é del's, mas somos nós que lh'a vendemos". Sem razão economica, dizem os Russos e seus admiradores, não há nada. Nem mesmo humour, que é represalia do sentimento, ou da sensibilidade."

    Afrânio Peixoto
    (in HUMOUR - Ensaio de breviário nacional de humorismo, Companhia Editora Nacional, 2ª ed.,1936, p. 283-284)


    Bisite tamvém o sitios: Furnandes Albaralhão
    e o projeto releituras


     

    Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: Elson Fróes