Não seria exagero dizer que Robert Creeley forma, ao lado de John Ashbery e Allen Ginsberg, o ataque da poderosa poesia norte-americana contemporânea, em toda a sua diversidade de experiências. Nas últimas décadas, Creeley adquiriu o status de verdadeiro chef d'école, influenciando uma legião de jovens poetas e mudando hábitos de leituras e idéias sobre "o que é poesia". Um exemplo de como ainda é possível provocar deslocamentos dentro da tradição literária. É no mínimo surpreendente que sua obra, quase sempre residual, mínima (porém sem que isso se traduza necessariamente numa poética “rala”), e que questiona de forma tão incisiva a possibilidade mesma da poesia (crítica da linguagem), tenha se tornado tão popular nos Estados Unidos, ou pelo menos tão influente.
Nascido em 21 de maio de 1926, em Arlington, Massachusetts, professor na Universidade de Nova York em Buffalo, Creeley começou a ficar conhecido nos anos 50, como editor da "Black Mountain Review" revista da universidade alternativa liderada pelo poeta Charles Olson, que reunia músicos como John Cage e poetas como Robert Duncan, Denise Levertov e Paul Blackburn. A primeira fase de sua obra, como em "For Love" (1962), revela a presença marcante de William Carlos Williams. Pode-se dizer que a poesia de Creeley é um aprofundamento do método e das preocupações presentes na obra de Williams. Porém, o “objetivismo” de Creeley é frequentemente interior. Isso é, ele tenta captar objetivamente – e compactar, muitas vezes “nas entrelinhas” estados mentais intensos subjetivos, bem como a complexidade de sua rememoração no instante em que é mediado pela linguagem poética. Como a poesia de Lorine Niedecker, a poesia de Creeley quer “pensar com as coisas tal qual existem”. Na observação precisa de eventos que, mesmo que banais, são sempre iluminados por sua percepção.
Apesar de praticante de gêneros de maior fôlego, os poemas de Creeley costumam ser breves e meditativos. Buscam a concisão possível, embora Creeley pareça reconhecer que concisão não é tanto uma questão de quantidade mas de qualidade (num poema, você pode ser "conciso" e não dizer coisa nenhuma). Em seus melhores momentos, Creeley obtém o máximo de expressividade com um mínimo de palavras. Esse laconismo, ao contrário do que possa parecer, não deriva de uma falta do que dizer, nem de uma incapacidade de ousar em outras “levadas” prosódicas. Antes, mais que marcada pelo lugar, é uma questão de temperamento. O próprio autor dá a dica: “Cresci numa fazenda. Tenho o senso de fala como um modo lacônico e comprimido de dizer algo a alguém. Dizer pouco sempre que possível”.
Eterno enquanto dure
O autor de "Pieces" (peças, pedaços) não aprecia muito a idéia difundida pelo senso-comum da vida (e da poesia) como algo contínuo. Seus poemas, vacilantes, parecem estar o tempo todo querendo incorporar o caráter fragmentário e residual da experiência poética. Por isso, parecem muitas vezes "incompletos". A intenção parece ser chamar a participação do leitor, dissolver a continuidade e o conjunto de imagens que normalmente "amarram" um poema. Não há fecho nem "eu" fixo. Creeley vale-se mais de fragmentos, de durações, feixes de sensações, do que emoções completas. Embora saiba que o ego muitas vezes representa uma barreira para a experiência, não parece ir tão longe a ponto de eliminar a subjetividade. Ao contrário: seus poemas demonstram a experiência de alguém que não vê separação entre linguagem e vida. Cada poema é o registro dessa articulação: “Muitos poemas meus vieram de um contexto difícil de se viver, por isso queria que a linha registrasse esse tipo de problema...uma linha truncada aqui, ou curta, parecendo quebrada, vindas de emoções algo quebradas”. Em outras palavras: nos melhores poemas de Creeley, a forma é sempre uma extensão do conteúdo (como ele mesmo escreveu), resultante do vacilo entre o som e sentido.
Marcante para sua formação poética foram os princípios estéticos do chamado "projetivismo" bem como a poesia beat, que adotavam formas poéticas mais abertas. A idéia adotada por Creeley é de que cada poema seja, via linguagem, uma espécie de mapa perceptivo, guiado pela "respiração" do pensamento.
A respiração interior o andamento musical e mental do poeta no momento da escrita e o impacto do que ele vê passa a ser a nova medida do verso. As pausas e cortes súbitos indicam suspensões da fala, e os deslocamentos sintáticos tentam expressar um mundo captado com a atenção “distraída”. Há a consciência de que cada poema é o registro de uma revelação e, como tal, irrepetível. "Creeley é o mestre da fala imediata e esse é o compasso de sua escrita" (Ed Dorn). Por ser corporal, esta medida está mais apta a captar as hesitações do pensamento, as relações com o outro e com o mundo, ao mesmo tempo em que reflete a busca obsessiva pela palavra precisa.
Mesmo que seja, às vezes, para dizer o que não pode ser dito: “e lá /estava, uma pequena/ delicada coisa, um/ tipo de pequeno/ nada”.
Nota.
1. Impossível deixar de apontar semelhanças entre o poema "Não", traduzido aqui, com um conhecido poema de Leminski: "Não fosse isso/ e era menos/ não fosse tanto/ e era quase”.
Rodrigo Garcia Lopes é autor de "Solarium" (Iluminuras,1994) e "Visibilia” (Setteletras, 1997) e tradutor de “Sylvia Plath”: Poemas” (iluminuras, 1991) e “Iluminuras – Gravuras Coloridas”, de Rimbaud (Iluminuras, 1994), e Atualmente prepara novo livro de poemas: “Polivox”.
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