"OUVINDO OSWALD" é biscoito fino Carlos Adriano Na geléia geral da cultura brasileira, Oswald de Andrade foi um osso duro de roer. Até ruir a incompreensão e engolir o escritor modernista, o establishment literário sempre baniu do conformado cardápio o indigesto prato antropofágico. O CD "Ouvindo Oswald", fino acepipe para digerir e divertir, conjuga criação e arqueologia, ao recuperar um raríssimo documento de modo vivo e prestar tributo inventivo à verve poética e à veia combativa de O.A. Com coordenação literária e roteiro de Augusto de Campos e produção musical e tratamento sonoro de Cid Campos, o CD reúne 52 poemas e 2 manifestos do autor do "Primeiro Caderno do Aluno de Poesia". Traz oralizações do próprio Oswald e oito poetas: Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes, Lenora de Barros, Omar Khouri, Pauli Miranda e Walter Silveira. "Em comprimidos, minutos de poesia" (como a fórmula oswaldiana), o compacto concentra larga gama de interpretações, de simples e sutis leituras ("Antologia", "3 de Maio") a desintegrações vocabulares ("Biblioteca Nacional") e proezas de edição sonora ("Amor Humor"). Dados da poética de Oswald (irônica, coloquial, concisa, estranha) dialogam com as dicções e os timbres de cada artista. Oswald lê 15 poemas gravados em 1951, poucos anos antes da morte, quando em sua voz já se via a melancólica solidão de poeta escalpelado. A leitura literalmente mastigada por Pignatari dos manifestos "Pau-Brasil" e "Antropófago" é eixo programático ao redor do qual gravita a poesia. O CD encerra-se com coda cinematográfica: "Plebiscito" ("venceu o sistema de Babilônia/ e o garção de costeleta"), o rebate-vaticínio ("a massa ainda comerá o biscoito fino que
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eu fabrico") e o chiado da gravação de Oswald mixado com os sons tribais digitalizados, abrindo a seara da metáfora para a imaginação. Neste país e época de trevas e banguelas (o ano 445 da deglutição a exigir outras dentições e mordidas), ainda infestam "chatoboys" de variada cepa. À obra, ouvidos livres, para quem souber e o que vier.
Folha de S. Paulo, 07/08/1999
Avaliação: Ótimo
CD reproduz 13 minutos da voz do escritor Oswald de Andrade
Cynara Menezes
No início da década de 50, o escritor modernista Oswald de Andrade (1890-1954) registrou em fitas de rolo alguns de seus poemas. São 13 minutos raros, em que é possível ouvir a voz de um dos mais geniais autores brasileiros deste século. Depois de quase 50 anos, esse registro sonoro chega ao público, no disco "Ouvindo Oswald", que a Funarte, com apoio do Itaú Cultural, lança hoje, às 19h30, no Salão de Idéias do Salão Internacional do Livro de São Paulo. Com coordenação literária e roteiro do crítico, poeta e tradutor Augusto de Campos, o CD reúne também vozes de personalidades como Décio Pignatari, Lenora de Barros e Arnaldo Antunes, entre outros, lendo versos e manifestos do autor de "O Rei da Vela". Entre as obras contidas em "Ouvindo Oswald", estão "Procissão do Enterro", "Primeiro Chá", "Os Selvagens", além de trechos do "Manifesto Antropófago" e do "Manifesto da Poesia Pau-Brasil". "Em meados dos anos 60, Rudá de Andrade, filho de Oswald, me deu uma cópia dessa gravação, por minha ligação com a obra de seu pai.
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Oswald de Andrade
Ao fazer o disco, respeitamos ao máximo a originalidade do registro, que é algo muito lindo", afirmou Campos à Folha. Rudá, 68, tinha pouco mais de 20 anos quando seu pai fez as gravações, que presenciou "por acaso", ao voltar da Europa para passar umas férias em São Paulo. Segundo ele, os poemas devem ter sido registrados em 1951. Quando trabalhava no Museu da Imagem e do Som, instituição que fundou e dirigiu, mandou fazer cerca de três cópias da gravação. Uma delas doou para o museu, outra para um amigo e a terceira, para Augusto. "Um dos mais importantes estudiosos de Oswald." Para ele, lançar um disco como esse ajuda a divulgar a obra de um autor que, mesmo famoso, é pouco lido em seu próprio país. "É uma frustração saber da pouca vendagem de seus livros", disse Rudá. Com exceção dos 13 minutos da voz de Oswald, o restante do CD, que no total possui 45 minutos, conta com tratamento sonoro de Cid Campos, filho de Augusto. Folha de S. Paulo, 01/05/1999
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