As gravações que Oswald fez de seus poemas datam da última quadra de vida do escritor - terão sido registradas por volta de 1950, segundo conjectura Rudá de Andrade. Restauradas e masterizadas, constituem a parte inicial deste disco. A ordem original das leituras foi ligeiramente alterada para incluir o "hino nacional do pati do alferes" e colocar os trechos do poema longo Cântico dos Cânticos para flauta e violão na seriação cronológica, deslocando-se para a última seção o "Grand Finale", que precedia os outros fragmentos na seqüencia em que foi registrado. Embora se trate de gravações despretenciosas, ao que tudo indica improvisadas, trata-se de documento valiosíssimo. Extraídas do único registro existente da voz de Oswald, são leituras notáveis. De suas inflexões, de sua saborosa modulação elocutória flui, vivamente, o "tonus" de amor e humor que caracteriza a obra do poeta. E mais do que isso, a emergir da voz emocionada que percorre os versos dedicados à sua amada Maria Antonieta d'Alkmin ("cais da minha vida quebrada"), a solidão intelectual dos seus derradeiros passos.
Completam o CD trechos dos dois manifestos de Oswald, Poesia Pau Brasil e Manilesto Anfropókigo, e uma seleção mais ampla de seus poemas. A interpretação ficou a cargo de um grupo de poetas. Alguns, conhecidos pelo trabalho pioneiro em prol da recuperação da obra oswaldiana, no qual se distinguiram sobretudo Décio Pignatari e Haroldo de Campos, que a reivindicaram nas décadas de 50 e 60, quando, ainda ignorado pelas universidades e pela crítica, o poeta começava a ressuscitar nos manifestos concretistas. Outros ainda, Omar Khouri, Paulo Miranda, Walter Silveira, Lenora de Barros, Arnaldo Antunes, poetas de gerações mais recentes, que se têm destacado por propostas originais, tanto no campo literário quanto no das novas mídias, encarnando expressivamente o espírito oswaldiano de pesquisa e aventura. Cid Campos ilumina essa viagem/homenagem com o tratamento sonoro da palavra poética, explorando as oralizações em montagens e recomposições enriquecedoras e incorporando à leitura dos manifestos os sons tribais dos nossos indígenas, reelaborados tecnologicamente -resposta musical ao utópico "primitivo tecnizado" de Oswald. O meu roteiro se fecha (e se abre) com o "slogan" sempre atual, bate-pronto da inventividade explosiva do poeta, ao ser acusado, como Maiakóvski, de não ser entendido pela massa: "A massa ainda comerá o biscoito fino que eu fabrico". De novo, novo, no ano 445 da deglutição.
Augusto de Campos (1999)
relógio
As coisas são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vem
Não em vão
As horas
Vão e vem
Não em vão